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Afrodescendentes têm mais dificuldade de encontrar doadores

Possuir uma ancestralidade genética majoritariamente africana pode reduzir em até 60% as chances de uma pessoa encontrar um doador

28/12/2020 10h23 - Atualizado há 3 anos Publicado por: Redação
Afrodescendentes têm mais dificuldade de encontrar doadores Foto: Divulgação

Uma equipe multidisciplinar de cientistas ligados a diversas instituições, entre elas a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Nacional do Câncer, publicou um artigo na revista Frontiers in Immunology comprovando que os afrodescendentes têm menos chances de encontrar um doador no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME) do que as pessoas com ascendência europeia. Segundo o estudo, possuir uma ancestralidade genética majoritariamente africana pode reduzir em até 60% as chances de uma pessoa encontrar um doador. E possuir cópias africanas dos genes HLA, que precisam ser compatíveis com os do doador para viabilizar o transplante, causa uma redução de 75%.

Assim, conforme a ancestralidade africana aumenta, diminuem as chances de uma pessoa encontrar um match no REDOME – terceiro maior banco de medula óssea do mundo, com mais de 5 milhões de doadores voluntários cadastrados. O trabalho aborda também a questão da baixa correlação entre a autoidentificação (de acordo com as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a precisão da ancestralidade genética que ela preconiza, já que a classificação do IBGE explica apenas uma pequena parte da ancestralidade genética das pessoas.

“A classificação é grosseira no sentido da previsão dos genes importantes para o transplante, que são os genes de função imunológica – e é por meio dela que as pessoas são caracterizadas no REDOME, pois preenchem um questionário para cadastro de doadores. Uma pessoa pode ser africana ou europeia nos genes de função imunológica, mas a capacidade de previsão disso é muito baixa com os identificadores ‘preto’ ou ‘branco’ ou ‘pardo’”, resume Diogo Meyer, evolucionista que trabalha com genética de populações e coordenador do estudo.

O trabalho concluiu que os autoidentificados como “pretos” e “pardos” têm até 57% menos chances de encontrar doadores do que aqueles que se identificam como “brancos”.

No caso dos afrodescendentes, a dificuldade de encontrar matches não tem a ver somente com sua baixa representatividade no REDOME, que é uma realidade, nem com as imprecisões das categorias étnicas em que as pessoas são divididas pelo IBGE (e recrutadas pelo REDOME), o que também é verdade.

As pessoas com ascendência africana são mais diversas e heterogêneas geneticamente do que as não africanas, o que dificulta, já de saída, o encontro de um doador, pois reduz as chances de que dois africanos sem parentesco próximo tenham HLA idênticos. Isso acontece por conta das migrações humanas, que ocorreram a partir da África. Nessa jornada, explica Meyer, as pessoas que migravam carregavam só parte da variabilidade preexistente.

No artigo, que tem como primeira autora a bióloga Kelly Nunes, afirma-se que a redução mais intensa nas chances de encontrar um doador (75%) está associada a ter a região do MHC (complexo principal de histocompatibilidade) de ascendência exclusivamente africana. O MHC é uma região densa de genes e contém os genes HLA, que precisam ser idênticos entre doador e paciente para o transplante ter chances de sucesso.

O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de Auxílio à Pesquisa Regular e de bolsa de pós-doutorado no Brasil.

Entenda a combinações de cromossomos

Segundo o cientista, há questões ainda em aberto. “Algo que não endereçamos ainda é se o que dificulta a tarefa de afrodescendentes encontrarem doadores é o fato de a pessoa carregar cromossomos africanos, ou o fato de ela ter uma mistura de um africano com um europeu. Porque é possível supor que, talvez, a parte europeia e a parte africana estejam ali representadas, talvez não sejam tão ‘inéditas’ no REDOME. Mas as duas juntas, em combinação, podem ser mais raras. E essas combinações possíveis podem chegar à casa dos milhares.”

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