Brasileiros desenvolvem vacina para combater variedade do coronavírus
Cientistas do
Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP), desenvolvem uma vacina contra o
Sars-CoV-2, variedade do coronavírus que provoca síndrome respiratória aguda
grave. O diretor do laboratório e coordenador do projeto, Jorge Kalil, ressalta
que a vacina não deverá ficar pronta logo, uma vez que o processo envolve
rigorosos testes de segurança.
A equipe do laboratório do Incor ainda realizará testes em camundongos para
comprovar a eficácia da vacina. Em seguida, buscará firmar colaborações com outras
instituições de pesquisa para finalizar o desenvolvimento da substância e
desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19.
Em entrevista à Agência Brasil, Jorge Kalil disse que não é possível precisar
quando a vacina será lançada, devido à série de protocolos que devem ser
seguidos à risca. Ele ponderou, ainda, que “fazer uma vacina não significa
produzir a vacina”, mas sim “o conceito da vacina e como ela vai
funcionar”.
“Mesmo as vacinas que estão sendo feitas no exterior, mesmo que comecem a testar
em humanos daqui a dois, três meses, dificilmente isso vai estar disponível
antes de um ano e meio, dois anos, porque você tem que testar, ter a capacidade
de produzir essa vacina industrialmente. Tem, primeiro, que ver se não é
tóxica, depois tem que ver se ela induz, realmente, anticorpos neutralizantes
em humanos, porque, às vezes, modelos animais que a gente usa não representam
exatamente o que a gente encontra em humanos. Então, tem uma série de etapas
que precisam ser feitas”, explicou Kalil, que foi ex-diretor do Instituto
Butantan.
“É claro que, hoje em dia, nós temos várias tecnologias com as quais a
gente consegue ir muito rápido, mas, mesmo assim, a gente não pode passar todos
os testes de segurança, para que não cause mais problemas do que ajude as
pessoas”, disse.
Proposta diferente
De acordo com o pesquisador, a proposta dessa vacina é diferente da que vem
sendo apresentada por especialistas de outros países. A expectativa é de que o
método escolhido permita que o corpo da pessoa vacinada tenha uma resposta de
defesa melhor, ou seja, imunológica, a partir do reconhecimento de partículas
semelhantes ao vírus (em inglês virus like particles). As VLP imitam o vírus,
mas não têm, como ele, capacidade de se multiplicar, disse Kalil.
Kalil explicou que junto com os antígenos, cuja função é estimular o sistema
imunológico a produzir anticorpos, serão inoculadas VLPs no corpo da pessoa
imunizada. “Quando nós construirmos essa partícula viral, vamos colocar
nela fragmentos da proteína mais importante para neutralizar o vírus, que é a
proteína da espícula viral, parte externa do vírus que parece uma flor e que é
a que gruda na célula”, disse Kalil, em referência à coroa que os
coronavírus possuem e que definiu seu nome.
“Tem várias tipos de vacina que são utilizadas hoje em dia nos programas
de saúde. Por exemplo, a vacina de sarampo é uma vacina com o vírus atenuado,
ou seja, você deixa o vírus fraquinho e injeta na pessoa, que produz anticorpo
contra aquele vírus fraquinho e aqueles anticorpos o neutralizam. Na vacina
contra a gripe, a gente usa uma contra-técnica. A gente produz uma grande
quantidade de vírus, como aqui no Brasil, no Instituto Butantan, e depois a
gente mata esse vírus, inativa-o, e faz pequenos fragmentos do vírus, destrói o
vírus, inclusive, e injeta nas pessoas, que produzem anticorpos contra as
partículas. Esses anticorpos vão neutralizar o vírus e ele não ataca”,
explicou.
“Eu posso também fazer uma vacina como a da hepatite, que é só a proteína
principal do vírus que a gente injeta. E a gente pode fazer, ainda, vacina em
que a gente dá a informação para o organismo da proteína principal do vírus
para neutralizá-lo e, dentro do organismo, esses ácidos nucleicos se expressam,
fazem a proteína e a gente faz anticorpo contra. A nossa proposta é
diferente”.
Articulação de enfrentamento
Para Jorge Kalil, os países que têm encarado mais habilmente a pandemia de
coronavírus são a China, Singapura e a Coreia do Sul, esta “porque fez
diagnóstico de pessoas em massa e conseguiu isolar infectados”.
O pesquisador disse que o governo italiano permitiu que a transmissão se
tornasse “uma catástrofe” e atingisse um “nível
exponencial”, que, segundo ele, pode se repetir no Brasil, caso as
autoridades governamentais não tomem providências. Já no caso dos Estados
Unidos, a avaliação é de que o governo foi “negligenciando o perigo”,
embora tenha chance de mitigar parte dos danos, por ser detentor de um volume
expressivo de verbas.”
O que seria importante é a gente desbloquear recursos – está muito difícil
recurso para a ciência, no Brasil -, para que a gente possa trabalhar e também
facilitar a importação de todos os reagentes, para que a gente não perca tempo
com muita burocracia e consiga trazer o que for necessário para o Brasil, para
gente trabalhar, seja na vacina, seja no diagnóstico, seja para obter resultado
de outras drogas, o que for”, ressaltou Kalil.