Pandemia afetou tratamento de câncer, aponta instituto
Mais de 40% dos pacientes tiveram o tratamento impactado pela pandemia
Além
de ter causado 445.535 mortes em todo o mundo até a última sexta-feira
(19), o novo coronavírus impôs cuidados que, se por um lado ajudam a conter a
disseminação da covid-19, por outro criaram desafios adicionais ao
enfrentamento de outras doenças.
Uma das consequências da pandemia foi o atraso no diagnóstico e a interrupção
do tratamento de casos de câncer. Situações que, segundo especialistas, podem
contribuir para o agravamento da enfermidade.
Uma pesquisa que o Instituto Oncoguia realizou entre os dias 29 de março
e 10 de maio revelou que 43% dos 429 pacientes oncológicos que
responderam ao questionário foram impactados pela pandemia, contra 55% de
entrevistados que disseram não ter sido prejudicados.
Entre os que declararam ter sido afetados pela crise sanitária, 15%
afirmaram que seus tratamentos tinham sido adiados. Dez por cento relataram que
não conseguiam agendar consultas e 6% que seus tratamentos haviam sido
cancelados, sem previsão de retorno. Os 12% restantes relataram diferentes
efeito da pandemia sobre suas rotinas.
Quarenta e três por cento dos pacientes afetados responderam que o adiamento ou
a interrupção dos tratamentos ou procedimentos foi decidido por clínicas e
hospitais, unilateralmente, por necessidade de priorizar o atendimento a
pacientes infectados pelo novo coronavírus; incertezas quanto ao risco de
propagação da covid-19; falta de profissionais de saúde ou outros fatores
associados à pandemia.
Apenas 12% dos que responderam ao questionário disseram ter decidido
eles próprios interromper a rotina de cuidados médicos. Em geral, por medo do
contágio da covid-19. Em 3% dos casos a decisão foi compartilhada entre médico
e paciente. Dois por cento dos pesquisados não tinham uma justificativa e 10%
apresentaram outras razões.
Seis em cada dez dos pacientes oncológicos que responderam ao questionário e
que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) declararam que seu tratamento
sofreu impacto, contra 33% dos usuários de hospitais particulares.
Analisadas por regiões, as respostas indicam que os entrevistados da Região
Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima
e Tocantins) foram mais impactados que a média (43%) nacional: 63% deles
responderam que seus tratamentos foram sim afetados em razão do contexto.
A presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, acredita que a situação
se alterou após o fim da coleta das respostas, em 10 de maio, quando a
sociedade já tinha mais clareza quanto aos riscos da doença e a forma como o
novo coronavírus se propaga. Mesmo assim, ela sustenta que os resultados são
preocupantes e merecem atenção.
“Os resultados comprovam os relatos de suspensão e cancelamentos que vínhamos
recebendo e, em parte, refletem o que foram os dois primeiros meses [da doença
no Brasil]. Tudo virou de ponta cabeça. As pessoas tinham muito medo de sair às
ruas e tivemos que nos organizar para compreender o real impacto do novo
coronavírus nos hospitais”, disse Luciana a Agência Brasil.
“Agora que já estamos vendo pessoas e serviços se reorganizando, modificando
padrões e comportamentos e, pouco a pouco, retomando os tratamentos, estes
dados servem de alerta para os gestores”, acrescentou Luciana, defendendo que
hospitais devem informar seus pacientes sobre os protocolos de segurança
adotados para garantir a integridade de todos. “Isso será importante para a
reconquista da confiança. ”
Diagnósticos
A partir de um levantamento realizado junto a serviços especializados de todo o
país, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e a Sociedade Brasileira de
Patologia estimam que ao menos 70 mil pessoas com câncer deixaram de receber o
diagnóstico da doença entre março e o fim de maio.
As duas entidades calculam que cerca de 70% das cirurgias oncológicas deixaram
de ser realizadas nos primeiros três meses após a Organização Mundial de Saúde
(OMS) decretar a situação de pandemia. Além disso, em alguns lugares, o número
de biopsias realizadas em determinados períodos chegou a cair 80% em comparação
ao mesmo período de um ano antes.
Questionado, o Ministério da Saúde se limitou a informar que a organização e o
controle da Rede de Atenção às Pessoas com Câncer são de responsabilidade
dos estados e municípios. “Quanto ao impacto nos tratamentos desse
grupo [pacientes oncológicos], o gestor tem quatro meses de
prazo para lançar os dados de atendimentos nos Sistemas de
Informação Hospitalar (SIH) e no Sistema de Informação Ambulatorial
(SIA), do Ministério”, acrescentou a pasta.
Doenças crônicas
Desde que o primeiro caso da covid-19 no Brasil foi confirmado, em 26 de
fevereiro deste ano, entidades médicas e profissionais de saúde vêm
manifestando preocupação com pacientes com doenças crônicas.
Conforme a Agência Brasil noticiou em abril,
enquanto os números de casos e de mortes causadas pelo novo
coronavírus aumentavam dia após dia, hospitais, laboratórios e clínicas
públicas e privadas registravam o esvaziamento de setores destinados a
pacientes com outras doenças.
Fosse pelo medo dos próprios pacientes que temiam sair de casa e serem
infectados, fosse pelas dificuldades de agendar consultas ou seguir com seus
tratamentos, pacientes cardíacos, diabéticos, imunodeprimidos, oncológicos,
entre outros, deixaram de procurar ou receber a adequada assistência médica.
Segundo a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o número
de exames gerais caiu cerca de 80% entre fevereiro e março,
enquanto o total de cirurgias caiu pela metade. No
mesmo período, as clínicas de diagnóstico por imagem registraram uma redução de
70% na realização de exames.
Ainda em meados de abril, a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) divulgou uma nota reafirmando que, apesar da recomendação
para as pessoas manterem o distanciamento social, permanecendo o
máximo de tempo possível em suas casas, tratamentos contínuos
não deveriam ser interromper sem orientação médica.
A recomendação da ANS se aplica não só a pessoas com doenças
crônicas, mas também àquelas que necessitam
de atendimentos associados ao pré-natal e pós-parto;
revisões pós-operatórias; tratamentos psiquiátricos e outros “cuja não
realização ou interrupção coloque em risco o paciente”.
Além disso, para tentar reduzir a demanda nos hospitais particulares e a
exposição desnecessária dos pacientes ao novo coronavírus, o Conselho
Federal de Medicina (CFM) admitiu e o Ministério da Saúde regulamentou o
uso da telemedicina no país, para algumas modalidades.