Pesca, internet e armas são os temas mais presentes nas ‘lives’ de Bolsonaro
Uma nova Voz do Brasil começou a funcionar no dia 7 de março no País.
Toda quinta-feira, pontualmente às 19 horas, o presidente Jair Bolsonaro senta
diante de uma câmara de vídeo e, esteja onde estiver, começa a transmitir por
até 50 minutos. Primeiro presidente a usar as redes sociais pessoais para se
comunicar com o eleitor, Jair Bolsonaro fala com seu público, conta piadas e
trata dos temas que lhe são caros, como pesca, internet e armas.
Levantamento feito pelo Estado mostra que, juntos, esses três temas preencheram
22% das transmissões e os 1.º, 2.º e 3.º lugares, respectivamente, no ranking
dos 50 assuntos mais tratados por Bolsonaro. Outras questões caras ao
presidente também têm posição de destaque nas transmissões, como as mudanças no
Código de Trânsito e na Carteira Nacional de Habilitação (5.º lugar no
ranking), os ataques à imprensa (9.º lugar), a segurança pública e o pacote
anticrime (11.º lugar) e as críticas ao PT e à esquerda (12.º lugar).
“Esse levantamento dá um retrato das coisas mais importantes na cabeça do
presidente e revela ao público quais são suas prioridades”, afirma o
cientista político José Álvaro Moisés. Quem assistiu a todas as 9 horas e 26
minutos das lives do presidente – como a reportagem – pôde verificar que ele
dedicou menos atenção a temas como a reforma da Previdência (4,6% das
transmissões e 6.º lugar). Ou outras reformas econômicas, como a tributária
(1,11% e 25.º lugar), que por pouco não recebeu menos atenção do que o fim do
horário de verão (26.º lugar). “É absolutamente surpreendente que a pesca,
e não o emprego, apareça em primeiro lugar”, diz Moisés.
De fato, outros itens da pauta econômica tiveram fraco desempenho nas lives do
presidente. Esse é o caso da Caixa Econômica Federal (18.º lugar) e
privatizações (28.º lugar). Já o item investimentos e empregos, por exemplo,
ficou em 44.º lugar, logo acima dos jogos de azar.
Moisés afirma que não se pode dizer que as transmissões de Bolsonaro sejam de
caráter privado e, portanto, sem relação com o governo. “Para um personagem
com responsabilidades de chefe de Estado e de governo, as comunicações que faz
não são um tema de sua vida privada, mas estão relacionadas às suas
responsabilidades públicas. A questão crucial para o País é voltar a crescer,
criar empregos e melhorar a renda média da população. Ele pode não ter todas as
soluções, mas devia demonstrar preocupação com esses temas.”
Social
Questões da área social tiveram presença ínfima nos vídeos sem apuro técnico e
marcados pelo improviso. Os três ministros com mais ações importantes na área –
Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Osmar Terra (Cidadania) e
Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) – nunca participaram das transmissões
O programa Minha Casa Minha Vida (Desenvolvimento Regional) ocupou o 47.º lugar
do ranking e o Bolsa Família (Cidadania), apesar da criação do 13.º para o
benefício, foi tratado em apenas 0,63% do tempo (40.º lugar). Questões de
gênero (Mulher, Família e Direitos Humanos) ocuparam o 38.º lugar (0,69%). Já a
crítica ao que foi classificado como excesso de direitos, principalmente os
trabalhistas, recebeu mais atenção do presidente, ocupando o 27.º lugar entre
os temas.
Ministros como Sérgio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) apareceram
apenas uma vez cada. Guedes teve de ouvir de Bolsonaro no dia 6 de junho o
anúncio de que o Brasil estava cancelando portaria que permitia importar
bananas do Equador para “proteger os produtores do Vale do Ribeira”,
área onde o presidente foi criado. Além disso, Guedes ainda foi inquirido por
Bolsonaro: “Paulo, quanto mais Estado melhor ou menos Estado?” Ao que
respondeu: “Menos”.
Os preferidos de Bolsonaro foram o general Augusto Heleno (7 aparições) e o
secretário da Pesca, Jorge Seif Junior (4 vezes), chamado pelo chefe de
“Netuno”. Heleno esteve na primeira transmissão e na 20.ª, em que
interveio só para corrigir o chefe, que errara data da canonização de Irmã
Dulce, marcada para outubro. Não foi a primeira vez que o general desempenhou a
função de revisor de Bolsonaro. Foi assim quando o presidente se confundiu na
conta sobre o valor de um cordão de nióbio, no Japão, e sobre o nome da
Síndrome de Down.
Já o secretário Seif é sempre acolhido de forma calorosa por Bolsonaro, que
adora fazer piadas sobre a criação de tilápias. “Churrasco de tilápia, ô
Jorge Seif, churrasco de tilápia não vai dar, não. Aí, em vez de tomar
cervejinha, vai ter de tomar tubaína com tilápia”, disse em 4 de abril, ao
lado de Moro e de Heleno.
A pesca da tilápia, sozinha, ocupou 15 minutos e 47 segundos das transmissões,
superando temas tradicionais dos governos, como Saúde (7 minutos e 33 segundos,
20.º lugar) e BNDES (31.º lugar) Também teve mais tempo que temas presentes no
bolsonarismo, como os religiosos (17.º lugar), meio ambiente (19.º lugar) e
índios (21.º).
Espontâneo
Para o líder do PSL no Senado, major Olímpio (SP), o presidente mantém nas
lives a comunicação direta que é a marca dele, de sua espontaneidade, e o
conteúdo delas não é o seu plano de governo. “Ele quer mostrar à população
que continua o mesmo Jair Bolsonaro de antes de ser presidente.” Para ele,
se o presidente fala muito da expansão da internet é porque foi ela que o
projetou à Presidência. “Se fosse para dar recado como chefe de governo e
de Estado, ele estaria focado na necessidade da reforma da Previdência”,
disse o senador.
Na quinta-feira passada (4), quando o relatório da reforma foi aprovado na
Comissão Especial da Câmara, Bolsonaro fez uma transmissão de 37 minutos. Falou
de pesca, CNH etc. Não disse uma palavra sobre a Previdência.