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Em defesa da fé e da tolerância religiosa

Dom Eduardo Malaspina manifesta posição sobre projeto do vereador Djalma Nery (PSOL)

22/10/2021 17h45 - Atualizado há 3 anos Publicado por: Redação
Em defesa da fé e da tolerância religiosa Foto: Sidney Prado

O vereador Djalma Nery, do município de São Carlos, protocolou uma Resolução de Lei que propõe, ao invés da leitura da Bíblia, seja lido um trecho da Constituição Federal Brasileira antes de cada sessão e que não haja nenhum símbolo religioso no plenário da Câmara. Vale ressaltar que um Projeto de Resolução de Lei tem validade apenas para as questões internas da Casa de Leis, ou seja, a Câmara Municipal, sendo diferente de um Projeto de Lei que seria aplicado a toda a cidade e espaço público.

Em postagem no facebook ressaltou o vereador: “Nossa principal preocupação não é vencer ou aprovar uma Resolução, mas sim DIALOGAR com a população acerca desta importante situação!” É sabido que cada vereador que ocupa uma cadeira na Câmara Municipal representa parte da população que o elegeu. É função dele defender pautas ligadas a esta parcela. Vale também lembrar que nós estamos lá representados por aqueles que votamos.

É na vida política de nossas cidades que a realidade encontra uma de suas forças para serem transformadas. A Câmara é o espaço do diálogo e da fala antes de ser o lugar da Lei.  Por isso, a nossa voz também está presente neste Parlamento através daqueles que nos representam. Seja por meio do telefone da Câmara ou através do site oficial, nós podemos encontrar meios para que nossos representantes nos escutem e façam repercutir na Casa de Lei a nossa voz.

Será que a leitura de um trecho bíblico ou um símbolo religioso “ofende” as pessoas de um modo geral? Aqui cabe diferenciar dois conceitos importantes: laicidade e laicismo. A laicidade pode ser definida como a neutralidade do Estado ante qualquer religião. Ou seja, uma nação não pode ser influenciada diretamente por organismos religiosos, mas pode reconhecer o importante papel da religião na cultura e na sociedade de um povo. Um Estado laico não pode beneficiar uma religião em particular, mas igualmente não pode perseguir as religiões. Esse conceito é aplicado no Brasil, uma vez que na Constituição se encontra expressa uma citação a Deus, o direito à liberdade religiosa e a permissão da colaboração do Estado com organismos religiosos em vista do interesse público.

A laicidade é totalmente diferente do que se entende por laicismo. Enquanto a laicidade significa neutralidade, respeito e cooperação, o laicismo é conceituado como desconfiança ou repúdio da religião como expressão de um povo, fazendo uma ação que vise excluir o fator religioso de um país.  Essa oposição à religião não está de acordo com aquilo exposto na Constituição Federal e, por isso, é uma postura ilegal.

Permita-me abrir uma outra brecha de discussão que passa pela Cultura. A cultura é “um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas”. A presença do cristianismo com seus símbolos, ritos e datas festivas, moldou a cultura do nosso país. Vejamos, por exemplo, que o primeiro nome do Brasil foi Terra de Santa Cruz. Além disso, podemos ver a quantidade de Estados e cidades com nomes de santos, os feriados oriundos de datas religiosas como o Natal, Páscoa, Carnaval e Corpus Christi, as obras de arte sacra tombadas como patrimônio cultural do povo brasileiro. Assim, vemos que a cultura brasileira e os valores do nosso país foram construídos com a influência da religião cristã, sobretudo católica. O nosso país, em sua essência e no seu nascimento, é marcado pela presença dessa herança cultural.

Os símbolos religiosos não foram impostos pela religião católica ao Estado, mas são sinais e herança da experiência vivida por aqueles que formaram a sociedade brasileira. Eles não representam o poder da Igreja Católica em detrimento das demais crenças, pelo contrário, demonstram o sistema de concepções e valores do país construídos durante mais de 500 anos. Não nego o fato de que, talvez, outras preocupações mais urgentes para a estabilidade pública do Município deveriam ocupar nossa reflexão. Qual o intuito de querer afrontar nosso patrimônio histórico-cultural brasileiro, ferindo valores de nossa experiência como cidadãos? Porém, como escreveu o Apóstolo Pedro: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês” [1Pd 3, 15]. E é isso que faço com este texto.

Na história romana, a Cruz sempre representou repúdio. Quando nela foi crucificado Jesus o que era sinal de condenação se tornou sinal de Salvação. Este sinal passou a identificar um povo; povo este que não era a elite da sociedade, tampouco os que gozavam de privilégios e favorecimentos públicos, mas, sim, os pobres e marginalizados. Não foi o cristianismo que descobriu a Cruz. No entanto, foi a partir do evento Jesus Cristo que a cruz adquiriu simbologia própria. Ela passou a ser símbolo da vitória do amor sobre o ódio do mundo manifestado num processo injusto e numa execução sumária do homem, que ‘passou fazendo o bem’ (At 10,38) e que ‘fez tudo bem’ (Mc 7,37)”.

Quando em 2002 o então Presidente da Câmara Municipal de São Carlos promulgou que fosse realizada a leitura de um trecho bíblico, que não excedesse 05 versículos, e ficasse a escolha do vereador que iria realizar a leitura, ele correspondia a um apelo de todos os vereadores que aprovaram aquela mudança interna. Hoje me questiono quais os motivos para que estes símbolos religiosos e a leitura de trechos bíblicos sejam retirados da Casa que representa o povo? Quantos vereadores, representantes de cada indivíduo da sociedade são-carlense, aprovam esta medida? Quais suas justificativas?

A nós, cristãos, cabe o que disse São João Paulo II [cujo dia celebramos neste 22 de Outubro] no discurso à UNESCO em 02 de junho de 1980: “Os homens da ciência só ajudarão realmente a humanidade se conservarem o sentido da transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre o homem”.  Também hoje as mulheres e os homens da ciência política presentes em nossa Câmara de Vereadores, podem contribuir de maneira elevada com posições que enalteçam a história, a cultura, a fé e a tradição do povo são carlense.

Faço votos de que este momento seja não de embate mas de debate, lembrando sempre que o testemunho é sempre mais forte do que as palavras. Testemunho se apresenta na atitude, na ação. Não nos esqueçamos do que fez Jesus quando o expulsaram de Nazaré: “Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho…” (Lc 4,29). Há uma cidade e uma sociedade que precisa de nossa ação junto aos mais pobres por exemplo, junto aos que sofrem nas filas à espera de atendimento para sua saúde. Por isso, tanto na vida pessoal quanto na religiosa e, também na política, convido todos a sermos promotores da Justiça, da Solidariedade e da Paz, fazendo acontecer já aqui o Reino de Deus.

 

Autor: Dom Eduardo Malaspina-Bispo Administrador Diocesano da Diocese de São Carlos

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ADILSON SANCHES MARQUES
ADILSON SANCHES MARQUES
2 anos atrás

Com todo respeito ao Dom Eduardo, o primeiro nome do país foi Pindorama, como o território era conhecido pelos povos indígenas que aqui habitavam. E o tupi acabou se transformando na língua geral, falada por quase toda a população até a proibição feita por Marques de Pombal. E os orixas africanos eram cultuados de forma escondida ou sincretizada com elementos católicos para não sofrerem punição. A igreja católica associou exu ao demônio bíblico, o que não tem nenhuma relação. E fez o mesmo com Jurupari , elemento importante da cultura tupi. E em nossa região, os indígenas da etnia kaingang foram exterminados por bugreiros católicos para a implantação das linhas de ferro e os negros que viviam no quilombo do Mogi, o segundo maior quilombo do estado, perdendo apenas paea o quilombo do Jabaquara em Santos, também foram mortos ou reaprisionados e devolvidos para os fazendeiros católicos escravocratas.
Se vamos falar em fé e tolerância que os símbolos indígenas e afro-brasileiros enfeitem aquela casa legislativa e não aqueles associados à opressão e à violência .

Mário Santos
Mário Santos
2 anos atrás

O mais correto e produtivo seria a inclusão de leitura de trechos da Constituição também

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