Juízes e promotores de São Carlos reagem à lei de abuso de autoridade
A proposta apresenta 37 ações que poderão ser consideradas abuso de autoridade, quando praticadas com a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro
Juízes, promotores e delegados de polícia de São Carlos reuniram-se ontem à tarde, 22, no Fórum Criminal, para um ato de repúdio à aprovação da lei que trata do abuso de autoridade.
No dia 14 de agosto, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei 7.596/17, que define os crimes de abuso de autoridade. O texto engloba atos cometidos por servidores públicos e membros dos três Poderes da República, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas e das Forças Armadas.
Aprovado no Senado em junho, o texto prevê a criação do crime de caixa 2, de compra de votos e o aumento de pena para o crime de corrupção, tornando a prática hedionda em alguns casos. Atualmente considerada crime eleitoral e não penal, com penalidade inferior à aplicada a outros crimes e passível de prescrição no prazo de um mandato, a prática de caixa 2 em campanha eleitoral poderá ser tipificada como crime.
Pelo projeto de lei, poderá ser considerado abuso de autoridade obter provas por meios ilícitos; executar mandado de busca e apreensão em imóvel, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva, para expor o investigado a vexame; impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; e decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia de comparecimento ao juízo.
No total, a proposta apresenta 37 ações que poderão ser consideradas abuso de autoridade, quando praticadas com a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro.
O juiz da 2ª Vara da Família e Sucessões de São Carlos, Caio César Melluso, diz que o projeto coloca uma série de entraves. “O mais importante é dizer que não somos contra o projeto de lei que prevê o abuso de autoridade, que inclusive já existe previsão legal para medidas punitivas. As corregedorias gerais das polícias funcionam para isso, o Conselho Nacional de Justiça também. Somos abertos e favoráveis à aplicação da lei, mas o que esperávamos é um debate franco e coerente. Infelizmente, essa legislação não atende ao objetivo, que é o abuso de autoridade”, afirmou.
Repúdio
As associações das carreiras da Magistratura e do Ministério Público, as associações e sindicatos dos Delegados das Polícias Federal e Civil, e dos Auditores Fiscais nacionais, estadual e do município de São Paulo, todos agentes responsáveis pelo Sistema de Justiça e de Segurança Pública, lançaram nota de repúdio acerca do abuso de autoridade. “A aprovação do texto no plenário da Câmara, por meio de votação simbólica e após requerimento de urgência, configura um claro desrespeito não apenas ao debate democrático, mas também ao diálogo com a comunidade jurídica, que se propõe a sanar os equívocos contidos na nova proposta de legislação, como os tipos penais vagos e ambíguos”, esclarece o documento.
“Apoiamos todas as inciativas que proporcionem o aprimoramento e a modernização da legislação, desde que assegurem os direitos humanos e fundamentais. Infelizmente, esta não é a hipótese do Projeto de Lei, equivocadamente intitulado ‘Abuso de Autoridade’. Criará, ainda, um ambiente fértil para injustiças, perseguições, desigualdades, inseguranças e impunidades ao criminalizar atos inerentes e indispensáveis ao exercício das funções dos integrantes das carreiras de Estado que fiscalizam, investigam, oferecem denúncias e julgam”, prosseguiu o promotor Sérgio Piovesan de Oliveira, que leu o comunicado aos presentes ontem, no Fórum Criminal de São Carlos.
“A lei é muito vaga, permitindo interpretação abrangente, o que favorece ou prejudica as pessoas, a critério dos que estiverem fora da lei. Somos contra o projeto e somos conscientes de que as polícias se insurgem contra isso”, disse a delegada Denise Gobbi Szackal, representando a Seccional de São Carlos.
Na visão do promotor público Flávio Okamoto, a lei busca intimidar o trabalho dos promotores, policiais e juízes. “Querem nos colocar como criminosos. Apesar da lei com disposições razoáveis, há muitas que claramente vão impedir as investigações”, comentou.