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“O que tiramos da UTI é: precisamos ser felizes”, diz médico

09/03/2013 13h10 - Atualizado há 11 anos Publicado por: Redação
“O que tiramos da UTI é: precisamos ser felizes”, diz médico

No livro Antes de Partir, a enfermeira Bronnie Ware lista os 5 principais arrependimentos das pessoas antes da morte. São eles: ter a vida que desejava e não a que esperavam que vivesse; não ter trabalhado tanto; ter tido mais coragem para expressar os próprios sentimentos; ter estado mais perto dos amigos; ter se feito mais feliz.

 

A reportagem do Primeira Página conversou com profissionais que convivem com pessoas que não têm muito tempo de vida para conhecer um pouco mais das suas experiências. José Carlos Bonjorno Jr., coordenador da Unidade de Terapia Intensiva da Santa Casa e médico intensivista há 20 anos, diz: “As duas coisas mais marcante: os pacientes demonstram um medo enorme da morte e do sofrimento que eles vão passar, e sentem necessidade de apoio de algum familiar. Então é muito comum marido chamando pela esposa, filho chamando pelos pais”. Segundo o médico, na UTI nunca nenhum paciente de abriu com ele: “Nunca chegaram a se abrir para mim, dizendo que gostaria de perdoar algo, que gostariam de ter feito algo. Este nível de contato na UTI eu nunca consegui”.

Questionado como essas experiências alteram o modo como ele enxerga a vida, ele diz: “A profissão acaba interferindo na filosofia de vida de todo mundo. Quando trabalhamos dentro de uma UTI e vemos a vida ir embora, e quando assistimos à dor da família, isso afeta nossa vida, muda nosso modo de pensar. Eu acho que me tornei uma pessoa mais tolerante, com mais vontade de viver. O que tiramos da UTI é: precisamos ser felizes”.

A psicóloga clínica hospitalar, Juliana Fernandes Tedesco, que trabalha há 8 anos com pacientes terminais e seus familiares, diz: “As pessoas têm muito o sentimento de missão não cumprida, de que ainda existe coisas para fazer: criar e formar um filho, por exemplo. Recentemente atendi a história de um paciente jovem que mexeu muito comigo, e ele disse isso: ‘Juliana, não queria morrer pois queria ver o meu filho crescer.’ Pacientes mais velhos também trazem coisas que eles gostariam de ter feito. Percebo também que eles têm um arrependimento muito grande de terem vivido de uma maneira que não era exatamente a que eles queriam”.

A psicóloga percebe que a proximidade da morte altera os valores das pessoas: “Atendi um paciente com câncer de reto, com metástase e ele disse que sempre teve muito dinheiro; que chegava ao cúmulo de sair de São Carlos para ir cortar o cabelo em São Paulo. ‘E hoje’, ele disse: ‘se eu quiser sair desse quarto para ir ao barbeiro da esquina eu não posso ir. Como eu vivi a minha vida de uma forma medíocre, pensando que os valores eram uns e hoje vejo que são outros’”.

 

Religiosidade e lição

Questionada sobre o aspecto religioso da experiência dos pacientes terminais, Tedesco diz: “Muitas vezes as pessoas vão se dispersando ao longo da vida, se apartando muito da questão religiosa. Aquele paciente me falou isso: que deixou o lado espiritual da vida e quanto mais dinheiro ele teve, mais ele foi se afastando. Percebo que muitos voltam mesmo, têm uma ligação maior com Deus, cada um com sua religião”, explica.

Sobre a compreensão da morte e a lição que tirou das suas experiências, ela diz: “Tentar entender a morte é importante e é complexo. Não tem como nós permanecermos as mesmas pessoas trabalhando dentro de um hospital e tendo em conta tão próximo com a finitude, com a morte. Na minha vida isso teve um aspecto muito grande. Trabalho há 8 anos com isso e no início foi difícil, pois a gente associa as pessoas mais jovens que morrem com a nossa própria morte; fazemos associação com nossos familiares. É muito mais importante a gente estar próximo das pessoas que a gente ama, um almoço no domingo, uma pipoca na sexta, do que dinheiro, status, ou brigar por alguma questão egoísta. Minha vida é muito diferente de quando entrei aqui”.

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