Adam Sandler ganha ‘Oscar independente’ com o poderoso filme ‘Joias Brutas’
No
tapete vermelho do The Critic’s Choice Awards – no qual concorreu na
categoria de melhor ator por Joias Brutas -, Adam Sandler agradeceu à
mulher, Jackie Sandler, dizendo que ela o pressionou, mais que
simplesmente incentivou, a fazer o filme dos Safdie Brothers. Joias
Brutas, Uncut Gems no original, é atração na grade da Netflix.
Sandler é aquele comediante que os críticos adoram odiar, dizendo
que só faz porcarias, comédias grosseiras e escatológicas. Não é
verdade – Como Se Fosse a Primeira Vez, com Drew Barrymore, de 2004,
é bem bonitinha, e, em dupla com Jennifer Aniston, ele estrelou a
comédia de ação que foi o maior sucesso da operadora de streaming
no ano passado, Mistério no Mediterrâneo.
A
Netflix anda babando por Sandler. Só para lembrar, como ator
dramático, nosso homem fez – bem – Embriagado de Amor, de Paul
Thomas Anderson, e Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe, de Noah
Baumbach, ambos com passagem pelo Festival de Cannes.
No
sábado (08)
à noite, na onda pré-Oscar, Sandler ganhou o Spirit Awards, o Oscar
independente, e aproveitou para esculhambar a Academia, que não o
indicou. Analistas dizem que a culpa é dele, da sua arrogância – já
se achava dentro. Reações emocionais à parte, Joias Brutas é a
confirmação de que os irmãos Benny e Josh Safdie não estão para
brincadeira. Ambos possuem uma assinatura – quem viu Bom
Comportamento/Good Time, que passou em Cannes, com Robert Pattinson,
deve se lembrar do clima frenético e dos personagens levados ao
limite numa Nova York que eles filmam pelo avesso.
Benny
e Josh têm o pé no pulp, e você sabe do que se trata. Revistas
pulp, de emoção, baratas, foram nomes dados a publicações que,
nos anos 1930, eram feitas com papel vagabundo, a partir da polpa de
celulose. Pulp virou sinônimo de literatura pífia, com tramas
criminais e de horror. Espremendo, saía sangue Os Safdies são
filhos da tendência, como Quentin Tarantino – lembrem Pulp Fiction –
Tempo de Violência, que venceu Cannes em 1994.
Nenhuma
surpresa que tenham buscado a cumplicidade de Sandler. Com produção
executiva de Martin Scorsese, Joias tem uma pegada à Os Bons
Companheiros e Vivendo no Limite, com uma representação da Nova
York subterrânea, mais sórdida, que também evoca autores como
James Toback e Abel Ferrara. Sandler faz um negociante judeu de
pedras preciosas e, quando o filme começa, sua preocupação é
manter-se distante dos cobradores que o perseguem. Howard, é seu
nome, é apostador compulsivo e está sempre dobrando, sem sucesso,
suas apostas. Para complicar, tem uma amante sexy, mas não está
muito disposto a se livrar da mulher, que o considera, agora, depois
de anos e muitos filhos, o homem mais irritante que conheceu. Antes
mesmo de aterrissar em Nova York e nos revelar Howard, a narrativa
decola anos antes, numa mina da Etiópia onde ocorre um acidente e
mineradores aproveitam o tumulto para descolar a pedra rara, e bruta,
que estará no centro de todas as atribulações de Howard. Para
resumir – a pedra vira talismã de um ídolo do basquete e Howard
tenta, de todas as formas, tirar proveito.
Com
o escritório blindado invadido por cobradores armados, Howard
empenha até a alma numa aposta sem volta, que tanto poderá
transformá-lo num milionário como num ‘dead man’. Conduzida pelo
personagem visceral, a narrativa com frequência está saindo dos
eixos e propondo-se como vertigem. Não por acaso, a câmera viaja
pelo interior da pedra rara, com seus reflexos multicoloridos, e
também pelo interior do corpo de Howard, num exame de cólon ou
acompanhando a bala que o atinge. Sandler faz uma entrega alucinante.
Os críticos citam Robert De Niro e Joe Pesci, mas cinéfilos de
carteirinha percebem outra referência. O jovem Al Pacino, de Serpico
e Um Dia de Cão, quando os personagens de Sidney Lumet perdem o pé
da realidade.
Sandler tem de seguir mais os conselhos da mulher.
Sua carreira vai melhorar e a Academia não poderá mais ignorá-lo.