“Adoráveis Mulheres” atualiza clássico da literatura norte-americana
Clássico da literatura norte-americana, o romance Little Women vem
sendo adaptado para as telas desde os tempos do cinema mudo. Grandes
cineastas, como George Cukor em As Quatro Irmãs (1933) e Mervyn
LeRoy em Quatro Destinos (1949), filmaram o best seller publicado em
1868 pela escritora Louisa May Alcott. Depois de Gillian Armstrong em
1994, novamente uma mulher apresenta sua versão da majoritariamente
feminina família March: a jovem Greta Gerwig, que roteirizou e
dirigiu Adoráveis Mulheres (2019).
A realizadora de Lady Bird:
A Hora de Voar (2017) acrescentou no seu novo filme modernidades,
ressaltou a liberalidade familiar, alterou episódios, bolou uma
narrativa que avança e retrocede no tempo, adicionou uma brincadeira
metalinguística no final – nenhuma dessas intervenções, no
entanto, chegam a desafinar com o texto original do livro de Alcott.
Ao contrário: graças a esses acréscimos, a história e os dilemas
de Adoráveis Mulheres ficaram ainda mais presentes para as plateias
contemporâneas, sem necessariamente sacrificar os aspectos que
situam a trama e seus personagens em um determinado contexto
pretérito.
O enredo acompanha as irmãs Jo (Saoirse Ronan),
Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e
Amy (Florence Pugh) em
sua transição da adolescência para a vida adulta durante a Guerra
Civil Americana, amparadas por uma mãe amorosa e tolerante (Laura
Dern), que cuida da família enquanto o pai (Bob Odenkirk) está
longe de casa lutando no fronte.
Apesar das personalidades
bastante distintas, as quatro garotas são unidas por um forte laço
fraterno, que se impõe no destino de cada uma quando encaram sonhos
e desejos ou enfrentam dificuldades e perdas. Ainda que as
trajetórias de todas as irmãs tenham densidade própria no roteiro,
o foco central, como no original literário, está em Jo, aspirante a
escritora de espírito rebelde, inconformada com as restrições e
expectativas impostas às mulheres de seu tempo e que persegue sua
vocação com perseverança.
Jo debate-se ainda internamente
entre a dedicação total à almejada carreira nas letras e os
sentimentos que nutre primeiro pelo amigo de juventude Laurie
(Timothée Chalamet), depois pelo professor Friedrich (Louis
Garrel).
Se em Lady Bird havia uma protagonista que externava os
desafios, objetivos e contradições de uma jovem mulher querendo se
afirmar em um mundo desenhado por e para homens, em seu novo longa
Greta Gerwig desdobra essa temática mostrando como especialmente Jo,
Amy e Meg conduzem suas vidas em um meio domesticado pelo
patriarcalismo. Um dos pontos altos do filme é justamente um
discurso de Amy, cuja ambição é tornar-se uma grande pintora,
explicando a Laurie como o casamento acorrenta e subjuga a mulher ao
homem do ponto de vista legal.
Ainda que em alguns momentos
resvale no sentimentalismo e em certa ingenuidade – talvez
inevitáveis diante do material no qual se baseia –, Adoráveis
Mulheres é um filme ao mesmo tempo caloroso e combativo, nostálgico
de uma certa época de ouro perdida, mas que aponta problemas e
preconceitos em grande parte já superados hoje.
Depois de uma
estreia promissora – ainda que irregular – como diretora em Lady
Bird, a também atriz Greta Gerwig faz jus às melhores expectativas
ao conduzir a narrativa de
Adoráveis Mulheres com frescor e
firmeza, extraindo do elenco ótimas e homogêneas atuações.