26 de Abril de 2024

Dólar

Euro

Cultura

Jornal Primeira Página > Notícias > Cultura > Antonio Carlos Vilela Braga, um educador que fez história, por Cirilo Braga

Antonio Carlos Vilela Braga, um educador que fez história, por Cirilo Braga

02/11/2019 09h30 - Atualizado há 4 anos Publicado por: Redação
Antonio Carlos Vilela Braga, um educador que fez história, por Cirilo Braga

Eu me lembro de quando em 1984 recebi do então vereador Antonio Carlos Vilela Braga uma congratulação por uma crônica intitulada “Minha Escola”, em que defendia a preservação da Escola Coronel Paulino Carlos. Se ele se surpreendera com o tom já nostálgico do texto de um jovem de 21 anos, eu me surpreenderia dali em diante com nossas conversas que passaram a ser frequentes na Câmara Municipal. O parlamentar e educador me mostrava projetos, comentava sobre discursos, artigos da imprensa, literatura brasileira e o panorama político. Longe do esgrimista dos debates na ribalta do plenário, falava de igual para igual com o menino que eu era – numa proximidade própria de quem viveu intensamente no mundo do ensino e pela vida adentro cultivou a flor da juventude.

Braga foi um professor em tempo integral. Não o tempo de uma aula, nem  de um ano letivo, tampouco o tempo de uma carreira profissional – mas o tempo de uma vida. Não por acaso nasceu num 15 de outubro, dia do professor (há momentos em que destino e predestinação não usam disfarces). Também não haveria de ser um acaso que a sua partida para a grande viagem ao desconhecido se desse antes que o Verão se findasse. Porque é solar o caminho de um professor. E porque gostava dos versos de Murilo Mendes: “Eu vi o anjo na cidade clara/Nas brancas praças do país do sol./Eu vi o anjo no meio-dia intenso/Que me consola da visão do mal”.

Em nossas prosas, o “parente” como nos chamávamos um ao outro, brincando com o sobrenome que compartilhávamos sem ter parentesco, invariavelmente tomando café. Momentos em que deixava de lado todos os títulos que tinha – até mesmo o de professor – para ser apenas o “Braga”. (Conforme me revelou, era chamado de “Toninho” em família e quase nunca de Antonio; só um antigo colega de faculdade o chamava assim).

Como bom historiador, tinha a noção de que o tempo presente guarda direta relação com o passado e antecipa o que virá – o mais importante: “O futuro é nossa prioridade e é lá que vamos passar o resto de nossas vidas”, dizia. As pessoas de seu convívio hão de notar que sua mensagem foi a de que o bem viver é fruto da combinação de simplicidade com sofisticação – com um olhar sempre adiante.

Braga apreciava a melhor literatura ( Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Dalton Trevisan, Jorge Luis Borges, Joseph Conrad e Italo Calvino), filmes (como  Vidas Secas com direção de Nelson Pereira dos Santos; Armarcord, de Fellini), a música brasileira ( Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Noel Rosa,Ari Barroso, Tom Jobim) e ao mesmo tempo cultivava as origens mineiras. Nunca esqueceu as histórias contadas pela mãe, dona Maria – “ela achava o passado importante, por isso passava horas e horas contando casos da família com raro talento”. Transmitiu muitas das histórias dela aos três filhos. “Já me preocupei muito com eles. Hoje, na verdade, espero e confio que vão se dar bem”, me disse certa vez.

Numa crônica comentou sobre os irmãos, que via pouco – “o que é uma pena” – e das irmãs que encontrava sempre e com quem se surpreendia: “As mulheres têm um talento incrível, comparável ao de um escultor”, dizia. “Elas veem o homem como uma matéria bruta a ser modificada, esculpida, modelada. Ao contrário do que se diz, ainda vivemos no matriarcado. O feminismo não existe, elas detêm o poder”.

Contava ser muito parecido com seu pai, Sebastião, que “estava sempre correndo atrás do tempo” – tema que o desafiava, como demonstrou na citação de Jorge Luis Borges na epígrafe de um texto autobiográfico que me mostrou alguns anos atrás: “O único enigma é o tempo, essa urdidura do hoje, do futuro, do sempre e do nunca”.

A história que ele deixou pode ser contada como uma crônica, um causo, um conto. Como tantos, nascidos de suas reflexões que compartilhava.

Ao falar da partida de amigos e companheiros, observava  que a vida de cada pessoa traz um ensinamento. Quem sabe faz compreender que somos um elo da universal corrente – ou que estamos aqui simplesmente para lançar na terra bruta a semeadura do bem.

Em todas as suas ações, o professor fez valer o amor que nutriu por São Carlos,  cidade que adotou como sua terra durante a maior parte da vida. Mineiro de Varginha, nascido no dia 15 de outubro (dia do Professor!) de 1940, filho de Sebastião Gonçalves Braga e de Maria Vilela Braga, tornou-se um “são-carlense de coração” quando se fixou e constituiu sua família ao lado da Professora Zuleika Hortenzi Vilela Braga – tendo os filhos Caio Graco, David e Luis Felipe.

Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Bauru, em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos e em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto, pós-graduado na área de História Econômica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi uma personalidade de grande contribuição à educação, cultura e desenvolvimento de nossa cidade.

Trabalhou na Companhia Brasileira de Tratores (CBT) e no início dos anos 1970 fundou, ao lado de Oswaldo Aparecido Ienco, a então Faculdade de Administração de Empresas de São Carlos da Associação de Escolas Reunidas precursora do Centro Universitário Central Paulista (Unicep), responsável pela UNICEP, ASSER Rio Claro e ASSER Porto Ferreira.

Empreendedor no campo educacional fez valer, sobretudo, a visão do professor – condição que o acompanhou e distinguiu ao longo da vida. Tendo sido diretor do Colégio Comercial Estadual de Maringá (1966-1967), em São Carlos lecionou no Colégio Estadual Professor Militão de Lima (1968-70), Colégio Diocesano (1968-1971) – no qual foi coordenador pedagógico – e Instituto de Educação Dr.Álvaro Guião (1969-70). No ensino superior, deu aulas na Escola de Biblioteconomia e Documentação de São Carlos (1968-1970) – onde exerceu o cargo de diretor interino em 1974- lecionando também no Centro de Ensino Superior de São Carlos (onde foi diretor entre 1972 e 1979) e Universidade de São Paulo (1973-1974).

Entre  os anos de1973 e 1975 foi conselheiro da Fundação Educacional de São Carlos) e advogado-chefe do Departamento Jurídico da Companhia Brasileira de Tratores  (CBT). Em 1979 recebeu com muito merecimento  o título de “Professor do Ano”.

Braga implantou as unidades do Anglo em São Carlos e Araraquara e desenvolveu projetos importantes para a difusão de sua história e preservação da memória urbana.

Foram de sua iniciativa produções como a série “Olhares sobre São Carlos – resgate do acervo fotográfico da cidade” e a  série “Documentos”, que reeditou importantes obras como  material de apoio a pesquisas de História e Geografia em São Carlos, disponibilizando-o a bibliotecas públicas e escolas da cidade.A Série  Documentos inaugurou um conjunto de iniciativas no âmbito da memória  histórica que o coordenou na Unicep.

Pela Ômega Produções realizou a coleção  “Conheça São Carlos” – conjunto de sete vídeos, abordando os mais diversos temas do cotidiano de São Carlos – iniciando por “Mário Tolentino, Trajetória de Um Educador”, editado em 1996. Realizou o vídeo promocional da cidade intitulado “São Carlos de Portas Abertas” e também  reeditou e distribuiu de forma gratuita exemplares do  Almanaque de São Carlos de 1928. No ano de  2007 publicou na imprensa uma série de crônicas históricas que celebravam o sesquicentenário da cidade.

“Um professor de História deve ser, antes de tudo, um bom contador de histórias. Essa deve ser a minha contribuição”, dizia.

No âmbito político, Braga militou no PMDB, elegeu-se vereador à Câmara Municipal em 1982, exercendo mandato na Legislatura de 1983 a 1988, ano em que foi um dos fundadores do PSDB pelo qual concorreu à Prefeitura de São Carlos.

Ao falecer no dia 27 de fevereiro de 2014 em  São Paulo  deixou a lembrança de um intelectual de grandes serviços prestados a São Carlos, como destacou a Portaria pela qual a Câmara declarou luto oficial na ocasião de sua morte.

“O professor Braga deixou um legado de probidade, idealismo e espírito democrático. Participou da vida pública com muita dignidade, externando ideias modernas e avançadas empreendendo uma ação política transformadora”, assinalou.

Recomendamos para você

Comentários

Assinar
Notificar de
guest
0 Comentários
Comentários em linha
Exibir todos os comentários
0
Queremos sua opinião! Deixe um comentário.x