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Aplausos imaginários, bacias e fitas métricas marcam volta da Osesp

"No primeiro ensaio, dava para sentir a felicidade de estar no palco, misturada com a apreensão com o protocolo de segurança", diz maestro

04/08/2020 09h57 - Atualizado há 4 anos Publicado por: Redação
Aplausos imaginários, bacias e fitas métricas marcam volta da Osesp Foto: Werther Santan / Estadão

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo tem duas novas integrantes: a bacia e a fita métrica. Ambas fizeram suas estreias na tarde de sábado, 1º, quando subiram ao palco da Sala São Paulo antes mesmo que o grupo tocasse para uma plateia vazia seu primeiro concerto em mais de quatro meses.

Enquanto as câmeras ainda eram posicionadas para transmitir pela internet a apresentação, técnicos se certificavam de que a distância entre as cadeiras estava correta; e, no pé de cada uma delas, um recipiente já esperava pelos respingos de condensação e saliva que poderiam cair dos instrumentos, evitando o contato com o palco, arriscando contaminação pelo coronavírus.

São apenas dois elementos de um novo normal que se desenha para as orquestras. Reunir dezenas de músicos agora exige cuidados que se estendem para fora do palco. Não há aglomeração. Músicos, todos com máscaras, tiradas apenas na hora de começar a tocar. Pelo chão da Sala São Paulo, marcações indicam espaços de distanciamento social. Todas as medidas foram colocadas em prática pela primeira vez no sábado, para o concerto do Grupo de Metais da Osesp. Os artistas foram testados para a covid-19. Na entrada da sala, medição de temperatura.

“No primeiro ensaio, dava para sentir a felicidade de estar no palco mais uma vez, misturada com a apreensão com o protocolo de segurança”, conta o maestro Wagner Polistchuk pouco antes do início da apresentação. “Eu estive na sala pelos primeiros três meses depois do início do isolamento. O prédio estava vazio. Quieto. Tudo o que uma sala de concertos não deve ser.”

Há 47 anos na Osesp, a percussionista Elizabeth del Grande lembra que nunca ficou mais do que um período de férias sem tocar com o grupo. “Voltar ao palco…”, ela começa fazendo uma pausa. “No ano passado, perdi minha mãe e, há um mês, a minha irmã. Estar aqui de volta com as minhas panelas… não tem sensação melhor.”

A possibilidade mexeu até com o diretor executivo da Fundação Osesp, Marcelo Lopes. No cargo desde 2006, abriu mão de sua vaga como trompetista do grupo. Mas durante a pandemia voltou a praticar. “Quando os músicos me convidaram a tocar, aceitei na hora. Mas estou apreensivo. Há oito anos não subo em um palco”, ele brinca, enquanto a sala começa a ser liberada para o início do concerto e da transmissão.

Retomada

A preocupação com o palco não é a única na mente de Lopes neste momento. A Osesp tem pressa. Desde o início da pandemia, o grupo transmitiu na internet concertos de temporadas anteriores. Mas, ao contrário de outras instituições, que durante a paralisação criaram diferentes ocupações para seus músicos e novos formatos para a internet, o foco da orquestra tem sido o retorno. Desde abril, cenários vêm sendo montados para a retomada de atividades presenciais.

O grupo já estava pronto para voltar a receber o público no dia 15 de agosto. O protocolo de segurança para a manutenção de distanciamento na plateia e nas dependências da sala foi criado e o governo do Estado havia autorizado o retorno. Há dez dias, no entanto, a prefeitura determinou que instituições culturais só poderão reabrir quando a cidade entrar na fase verde do Plano São Paulo. Segundo Lopes, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa tem conversado com a prefeitura sobre essa decisão. Mas, mundo afora, o retorno da atividade musical não é consenso: se na Europa orquestras começam a fazer experimentos, nos Estados Unidos os principais grupos e teatros decidiram voltar ao palco apenas em 2021. Pressionar pelo retorno é o melhor caminho?

Lopes não vê tentativa de pressão. “O prefeito tem sido mais cauteloso, mas não cabe a nós fazer julgamentos. Talvez haja dificuldade na fiscalização dos espaços. Mas me parece normal que a secretaria procure a prefeitura, não no sentido de convencimento, mas de entendimento”, afirma. “Uma vez que as autoridades entendam que é hora de abrir para o público, vamos abrir. A Sala está pronta. Existe risco? No mundo em que vivemos hoje, existe. Mas podemos oferecer uma situação de risco controlado. O público, principalmente aquele que vem de carro, poderá vir à sala com tranquilidade, certo de que todas ferramentas de controle estarão em ação.”

Mas a autorização para a volta do público não resolve todos os problemas. Há uma matemática complicada. Apenas cerca de 450 dos 1.500 lugares da sala poderão ser ocupados e, para que todos os assinantes sejam recebidos, será preciso realizar dois concertos por dia, com todo o espaço sendo higienizado entre eles. A grade de maestros e solistas convidados também precisará ser refeita: muitos deles vêm de fora do país, e nem todos poderão viajar. “Há um problema de imagem do Brasil e o fato de que, se viajarem, precisarão depois fazer quarentenas. Nem todos têm tempo em suas agendas para isso.” A solução, diz Lopes, tem sido substituí-los por artistas brasileiros. “Isso pode abrir um novo espaço para eles na orquestra.

Volta à casa

“Senhores, estamos realinhando as câmeras.” O aviso do inspetor da orquestra, Xisto Alves Pinto, explica aos 29 músicos, já posicionados desde 16h25, o pequeno atraso no início da apresentação. A sensação é estranha. O sinal verde não vem do público já posicionado na plateia, mas de uma pequena cabine de controle montada atrás do palco. Quando a primeira peça termina, os músicos agradecem aplausos imaginários. Nas redes, 11 mil pessoas passarem pela transmissão, com gritos por escrito de bravo e eventualmente reclamações por problemas no som.

Ao fim do concerto, os músicos deixam o palco rapidamente. Cada um leva sua bacia, ficando responsável por sua higienização. O trompista André Gonçalves é um dos primeiros a passar pela área de camarins. “Voltamos para casa”, ele afirma, com um sorriso entrevisto por trás da máscara. “A gente fica meio perdido ainda com o timing, com a falta de reação da plateia”, completa Polistchuk, que volta a reger a orquestra no dia 7 (outra apresentação está marcada para o dia 8, com o maestro Emmanuele Baldini).

Elizabeth é uma das últimas a sair. “Olha que eu estava ansiosa”, ela confessa, mesmo depois de tanto tempo de carreira. E, agora, espera o próximo “frio na barriga”: a chance de voltar novamente ao palco, desta vez para reencontrar o público.

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