Cantora Anastácia lança EP comemorativo
Quando começou a se apresentar
em concursos de calouros, ainda na adolescência, Anastácia costumava ouvir que
mulher não tinha fôlego para cantar forró. Tinhosa, como gosta de se definir,
deu de ombros. Queria ser artista. “Eu pensava: se mulher tem fôlego para
parir, também tem para cantar forró”, diz ela, que agora completa 80 anos,
mais de 60 de carreira e, ainda com fôlego, lança um EP comemorativo com cinco
canções inéditas – uma delas criada com Dominguinhos, com quem foi casada – e
participações de novos e velhos amigos.
Anastácia, embora diga que componha todos os dias, confessa
que não tinha certeza se lançaria algo para comemorar a data. “Quem ainda
liga para disco?”, pergunta, ignorando as plataformas digitais, que desde
29 de maio, um dia antes de seu aniversário, abrigam Anastácia 80 – Lado A,
trabalho produzido por Zeca Baleiro e Adriano Magoo.
O projeto é maior do que as canções que já foram divulgadas.
Porém, as gravações tiveram de ser interrompidas por conta da pandemia do novo
coronavírus e serão retomadas assim que tudo voltar ao normal.
Nesse Lado A, Anastácia assina duas parcerias com Baleiro: o
baião-canção O Sertão Está Chorando, cantada em dueto com Amelinha, e o xote
Venha Logo, com participação de Chico César. “Ela escreve o tempo todo, a
mulher é danada (risos)”, diz Baleiro, que afirma que, ao comandar o
trabalho, se preocupou em manter a essência da artista no forró, mas com toque
de modernidade nos arranjos.
Venceu a Solidão, com vocal de Mariana Aydar e Mestrinho na
sanfona, é parceria inédita de Anastácia e Dominguinhos, com quem ela foi
casada entre 1967 e 1978. A melodia estava com a compositora, que colocou letra
quando Dominguinhos estava doente – ele morreu em 2013, aos 72 anos, vítima de
um câncer de pulmão “Pensei na solidão que uma doença traz, ele naquele
hospital. Gravei só agora”, conta Anastácia, dizendo ainda ter outras
músicas inéditas do antigo companheiro guardadas, esperando por letra.
Poderia ter mais, mas colocou fogo em várias fitas cassetes
quando o casamento terminou. “Na hora da raiva…”, lamenta. Baleiro
conta que a emoção foi grande ao gravar a faixa. “A música é linda e
emocionante. Mariana caiu no choro. Foi comovente para todos nós. Dominguinhos
é um melodista único”, diz.
A faixa A Saudade Me Trouxe Pelo Braço, que Anastácia assina
com a filha, Liane, tem a participação de um antigo companheiro de sanfona e
estrada: o alagoano Hermeto Pascoal, que era o sanfoneiro da Rádio Jornal do
Commercio, do Recife, e a acompanhava quando ela tinha 14 anos de idade. Outra
que ela fez com a filha é Contando as Estrelas, que gravou acompanhada de
Roberta Miranda. “Foi uma festa receber todos esses convidados. Uma
verdadeira comemoração”, comemora a compositora.
Zeca Baleiro concorda que é preciso festejar a data. “Eu
sou suspeito porque sou muito fã, acho Anastácia imensa. Vamos celebrá-la – em
vida – de preferência”, diz o músico, que conta ter conhecido o trabalho
da compositora por meio das gravações de Gilberto Gil – ele gravou Só Quero Um
Xodó e Tenho Sede, ambas dela e de Dominguinhos. Hoje, são amigos e parceiros
em cinco canções.
O Lado B – ainda sem previsão de lançamento – terá as
participações de Alceu Valença, Lenine, Geraldo Azevedo, Almério, entre outros.
Rainha
do forró
Nascida no Recife (PE), Lucinete Ferreira, seu nome de
batismo, tornou-se Anastácia quando chegou a São Paulo, aos 20 anos, junto com
a família. Conciliando o desejo de cantar com o emprego na companhia aérea
Vasp, gravou o primeiro LP, que saiu com o título de Anastácia no Torrado. Nem
ela sabia quem era a pessoa do título. “Um amigo me disse que havia ouvido
o disco, que era minha voz, minha foto, mas a nome da cantora era Anastácia.
Corri para tirar a história a limpo”, diverte-se hoje, esclarecendo que a
troca foi obra de seu primeiro empresário, o Palmeira, que achava seu nome de
batismo muito comum. “No Nordeste tem muito nete. Lucinete, Marinete,
Ivonete. .”
De lá para cá, Anastácia atuou como locutora, radialista,
atriz e comediante, e ganhou o epíteto de Rainha do Forró. Mas foi como
compositora, gravada por nomes como Noite Ilustrada, o primeiro a gravar, Luiz
Gonzaga, seu padrinho musical, Angela Maria, Gilberto Gil, Gal Costa e Nana
Caymmi – e de sua parceria com Dominguinhos – que ela se consagrou. Ajudou a
difundir a música nordestina no Sudeste, rompeu a barreira do machismo e, ao
lado de Marinês, Almira e Clemilda, abriu o caminho para nomes como Elba
Ramalho, nos anos 1970, e Lucy Alves, mais recentemente. “Valeu a pena.
Faço o que gosto. Sou muito grata por tudo. Tenho orgulho de ter nascido no
Nordeste, no Brasil”, diz, com entusiasmo.
E, como o fôlego ainda está em cima, Anastácia vai lançar
mais uma gravação. Trata-se de Meu Santo é Brasa – que está em pré-venda na
Amazon (com lançamento para dia 26) -, que ela fez com Jackson do Pandeiro nos
anos 1980, mas esqueceu. “Há alguns anos, Lucy Alves pediu autorização
para gravá-la, e pensei: nunca fiz música com Jackson. Mas não é que era minha
mesmo?”, ri, explicando que tem quase 800 músicas. “Às vezes, ouço na
voz de outro artista e me pergunto: fui eu que fiz essa?”, conta. Agora, é
sua vez de cantar a composição que, oportunamente, fala das festas e santos
juninos.