Galerias e artistas se unem em ações virtuais e colaborativas na quarentena
17 galerias participantes são conhecidas por apostarem em projetos artísticos inovadores e experimentais
Desde que o coronavírus
avançou no Brasil, instituições de arte tiveram de se reinventar e intensificar
estratégias digitais. Diante desse cenário, as galerias, cuja lógica difere da
dos museus, por dependerem principalmente da venda de obras, têm se desdobrado
para conseguir manter a fidelidade do público, garantir a sua sustentabilidade
financeira e até mesmo ajudar no combate à pandemia.
Muitas delas têm unido forças em diferentes
projetos que estão sendo lançados nos últimos dias. É o caso da P.art.ilha,
rede de artistas, galerias e agentes culturais de todo o País, que se juntaram
para sensibilizar colecionadores e atrair novos públicos por meio de
iniciativas online coordenadas. As 17 galerias participantes são conhecidas por
apostarem em projetos artísticos inovadores e experimentais. Entre as de São
Paulo, estão nomes como Aura, B_arco, Janaina Torres, Lume e Sé.
A primeira ação foi lançada na sexta-feira (01)
e envolve a divulgação de uma seleção de obras de arte, de nomes como Matheus
Chiaratti, Andrey Zignnatto, Osvaldo Gaia e Vania Toledo, que serão vendidas
com condições especiais. Cada aquisição realizada no mês de maio garante ao
comprador um crédito de igual valor para adquirir obras de outros artistas da
mesma galeria. Além de estimular a cadeia criativa, a proposta também tem viés
beneficente: parte dos recursos será destinada a instituições sociais como a
Salvando Vidas e a Por Nossa Conta, de São Paulo, e a Lá da Favelinha, de Belo
Horizonte. As informações serão divulgadas na página do Instagram @p.art.ilha.
Na avaliação de Bruna Bailune, fundadora da
galeria Aura e uma das idealizadoras da rede, as transformações do momento
podem vir para o bem. Apesar da redução de vendas provocada pela pandemia, ela
vê o cenário com otimismo, pois trouxe uma conexão inédita entre galeristas e
artistas. “Os grupos que estão surgindo são um indício de que talvez o
nosso modo de fazer as coisas não vinha sendo o melhor e de que podemos
repensá-lo juntos. No dia a dia, ficamos dispersos, fixados em buscar as nossas
próprias metas. Nosso sistema já estava com muitas falhas, e agora é hora de
todo mundo olhar com atenção para sairmos mais forte dessa”, reflete ela.
Criatividade em isolamento
Uma iniciativa semelhante foi idealizada pelas
artistas Lais Myrrha e Marilá Dardot, pela curadora Cristiana Tejo e por Julia
Morelli, fundadora da plataforma 55 SP. Trata-se do Projeto Quarantine, lançado
em 13 de abril. Marilá e Cristiana moram em Portugal e estavam no Brasil em
março, até poucos dias antes do início da quarentena, quando visitaram a
exposição de Hudinilson Jr., então em cartaz na Pinacoteca. No retorno,
inspiradas pela “arte postal” do artista, elas tiveram a ideia de
criar o projeto, adaptando o conceito para o modelo virtual.
A partir dessa proposta, 45 criadores de
diferentes regiões do País foram convidados a produzir obras durante o período
de confinamento, com os materiais e instrumentos que tinham disponíveis. Entre
desenhos, gravuras digitais, vídeos e fotografias, a ideia é que elas possam
ser enviadas digitalmente, considerando também as condições de isolamento do
comprador, que recebe instruções de como executá-las.
De nomes como Ana Lira, Daniel Lie, Guto Lacaz,
Janaina Wagner e Romy Pocztaruk, os trabalhos são vendidos pelo mesmo valor (R$
5 mil), que, depois, é dividido igualmente entre todos. Uma cota ainda é
revertida para o fundo emergencial da Casa Chama, também contemplado pela
P.art.ilha. As obras estão à venda na Plataforma 55SP (55sp.art/quarantine).
“É um experimento artístico. A diferença é
que é um gesto coletivo, igualitário e distributivo para este momento de
pandemia”, explica Julia Morelli, que, assim como Bruna, considera que é
uma boa hora de repensar os modelos tradicionais do mercado de arte. “Foi
muito gratificante reunir todos os artistas rapidamente, eles foram muito
receptivos. Agora, já há outros pedindo para participar e estamos pensando até
em novos formatos”, conta Julia.
Focada exclusivamente na filantropia, há ainda a
campanha Arte Contra a Covid-19, que reúne as consagradas galerias A Gentil Carioca,
Almeida & Dale, Fortes d’Aloia & Gabriel, Kogan Amaro, Leme, Luisa
Strina, Luciana Brito, Mendes Wood DM e Millan. Para essa iniciativa, artistas
e galeristas doaram obras para serem comercializadas com valor reduzido em 25%.
O montante arrecadado será doado integralmente a instituições sociais como a
Associação Civil Ânima e a Associação Cultural Lanchonete Lanchonete.
Estratégias online
Mostras virtuais, lives com artistas e podcasts
estão entre as apostas das galerias de arte, incluindo aquelas que não integram
essas redes colaborativas. É o caso da Galeria Almeida Prado. “Decidi
fechar temporariamente a galeria assim que se confirmaram os primeiros casos no
Brasil. Ficaria muito arriscado continuar trabalhando, principalmente nos fins
de semana, quando o fluxo de turistas é sempre maior”, relata o galerista
Fábio Almeida Prado.
Duas exposições estavam previstas para ocorrer
no local no primeiro semestre. Uma delas seria de Lêda Watson, especialista em
gravuras em metal. Como a artista já tem mais idade, a realização da mostra
agora é incerta. “Saúde em primeiro lugar”, diz o galerista. A outra
mostra seria uma coletiva com artistas ligados à arte urbana. “O tema
ainda não tinha sido definido, mas agora ficou fácil saber qual será”, diz
Fábio, referindo-se, claro, à pandemia.
Enquanto não é possível estabelecer novas datas
para essas exposições, ele convidou artistas que representa, como Clarice
Gonçalves e Marcelo Jorge, para apresentarem seus ateliês pela internet,
mostrando como a quarentena influencia seus processos criativos. A ideia é que
eles ainda reforcem com o público dicas de prevenção contra o coronavírus.
Em uma ação semelhante, a Galeria Kogan Amaro
convida os artistas com os quais trabalha para assumirem, por um dia, a sua
conta no Instagram. Neste fim de semana, são os próprios galeristas que vão
interagir com o público. A colecionadora e pianista Ksenia Kogan Amaro fez uma
live de sua casa, onde também apresentou um concerto durante o sábado (02).
Neste domingo (03), é a vez de seu marido e sócio, o artista empresário Marcos
Amaro, assumir a rede.
Antes mesmo da quarentena, a Millan criou uma
série de podcasts, disponíveis no Spotify, em que artistas como Paulo Pasta e
Rodrigo Andrade falam sobre seus processos criativos. Com o avanço do vírus, a
galeria também passou a promover conversas dos artistas com o público. Na
próxima terça-feira, 5 de maio, às 17h, David Almeida participa de uma live
para falar sobre a sua produção.
Em março, pouco antes do início da quarentena, a
Fortes D’Aloia & Gabriel havia inaugurado uma exposição de Lucia Laguna.
Agora, é possível conferir as obras da artista carioca por meio de uma visita
virtual disponível no site da galeria, onde há também um vídeo em que ela
conversa com o curador Victor Gorgulho.
Multimídia
Já a Luciana Brito Galeria acaba de lançar em
seu site uma plataforma dedicada à videoarte. Com o nome LB/Festival de Vídeo
Online, a iniciativa contará com um novo trabalho a cada semana. Já é possível
assistir, por exemplo, ao vídeo Corda, produzido pelo artista mineiro Pablo
Lobato.
Reflexões sobre o futuro do mercado da arte
também pautam algumas dessas iniciativas online. Desde o início da pandemia, a
Aura tem promovido uma série de cursos online, em que são debatidos temas como
o colecionismo e a arte-educação. Além disso, a galeria levou para o meio
virtual o encontro Happy Aura, em que diferentes agentes do campo das artes têm
discutido, em clima descontraído, o contexto atual. Gratuito, o evento ocorre
todas as sextas-feiras, às 18h, pela plataforma Zoom.
Na última semana, a Associação Brasileira de
Arte Contemporânea (ABACT) ainda lançou o podcast Arte Contemporânea: da casca
ao caroço, com episódios quinzenais, disponíveis nas plataformas Spotify, Apple
Podcasts e Google Podcasts. O primeiro deles reúne a artista Mariana Palma e a
diretora da galeria Casa Triângulo, Camila Siqueira, em uma conversa sobre como
a indústria de arte contemporânea tem se reinventado no ambiente digital e
sobre a importância da arte em momentos difíceis – como o atual.