Gil e Iza fazem show ao vivo juntos
Gilberto Gil já apareceu de
surpresa de pijama na live de Teresa Cristina, e a emocionou cantando Estrela.
Ontem, participou do programa Amanhãs Aqui e Agora, do Museu do Amanhã no
YouTube. E neste sábado, 20, às 20h, Gil terá finalmente a própria live, a sua
primeira, junto com a cantora Iza, sensação da atual cena pop no País.
Influenciada pela obra de Gil e de outros nomes da MPB, Iza já havia se
encontrado com o músico em palcos, mas esta é a primeira vez que eles farão,
lado a lado, um show completo, que será exibido ao vivo no canal da Mastercard
Brasil no YouTube. Os dois e a equipe que os acompanhará vão seguir os
protocolos de segurança recomendados – todos, inclusive, já passaram por testes
para covid-19. Serão arrecadadas doações no combate à fome que serão revertidas
para a ONG Ação da Cidadania.
A ideia desse encontro musical partiu do diretor
artístico Zé Ricardo. “Recebi do Tom Gil (diretor de negócios da agência
W/McCann e sem parentesco com o compositor e cantor) o desafio de criar um
encontro que não tivesse preço. Tenho revisitado a obra do Gil e ela me veio
logo à cabeça”, conta Zé Ricardo. O repertório foi pensado por ele, Gil e
Iza. Mas prevaleceram as escolhas da cantora, conta o músico. “Iza conhece
muito do meu repertório, e aí vamos compartilhar essas canções que ela conhece.
Sugeri uma coisa ou outra fora do que ela tinha proposto”, diz Gil, ao Estadão, por telefone, de
sua casa em Araras, região serrana do Rio, onde está confinado – e será
realizada a live. “Tudo o que ela propôs são coisas que eu já venho
cantando: A Paz, Se Eu Quiser Falar com Deus, Andar Com Fé, Vamos Fugir.”
Se foi pressionado pelos fãs a fazer uma live?
Gil diverte-se com a pergunta. “Não sei (risos), há, sim, um interesse
muito difundido de que os artistas agora se aproveitem dessa nova modalidade,
muito adequada ao isolamento de todos, tanto nosso, dos artistas, quanto do
público. Também pela pressão natural do trabalho, que ficou muito prejudicado
nas suas formas convencionais, com as aglomerações impedidas”, pondera.
“E há ainda a grande curiosidade pela exploração desse novo formato do
ponto de vista tecnológico. Há vários experimentos, isso tudo está provocando
muita curiosidade. Então, o que você chama de pressão do público para que eu
fizesse (a live) é uma pressão geral, da situação geral.”
No próximo dia 26, quando completará 78 anos, o
cantor e compositor vai apresentar outra live, embalada pelos festejos de São
João, que foram cancelados no Nordeste. “Seremos eu e mais cinco músicos,
todos também já foram testados. Estamos todos dentro do procedimento do padrão
da quarentena.”
Os cuidados foram redobrados na gravação de um
especial que Gil fez para a estatal francesa TV5Monde, a convite da emissora,
também em sua casa em Araras, no sábado passado, por contar com mais pessoas
envolvidas nos bastidores. Com o cancelamento de shows e festivais de verão na
Europa, o programa tem espaço reservado na grade do canal em julho. Para a
gravação, Gil contou com a participação dos filhos Nara, Bem e José e a neta
Flor. “Veio toda uma equipe de lá, diretores, técnicos de luz, de som e
tudo. Ficaram 15 dias de quarentena, um deles inclusive testou positivo e não
pôde vir, ficou preso no Rio.”
Grande parte do repertório contou com canções de
Gil. Ele cantou novamente Volare com Flor – os dois já haviam gravado um vídeo
da canção em homenagem à Itália, que enfrentava o auge da pandemia de covid-19.
E revisitou sua canção francesa, Touche Pas à Mon Pote (‘não mexa com meu
chapa’), slogan do movimento antirracista SOS Racismo. “A música acabou
ficando atualíssima com o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam)”, diz
Gil. O grito de ordem ganhou força nas ruas e nas redes sociais após o
assassinato de George Floyd, negro morto por um policial branco nos EUA.
Como avançar na questão sobre o racismo
estrutural? “Nos últimos tempos, a legislação brasileira tem, na medida do
possível, contemplado uma série de coisas, a criminalização que foi feita em
relação a muitos dos aspectos desse racismo estrutural; e o ‘prestigiamento’
dos movimentos negros, os próprios movimentos com uma capacidade muito maior de
compreensão da importância da contribuição africana para formação cultural do
Brasil. Todas essas coisas têm aparecido com mais visibilidade na vida
brasileira e, na medida do possível, levado setores importantes do povo brasileiro
a entender melhor essa questão do racismo estrutural e a se posicionar. Nesse
sentido, acho que as coisas melhoraram, mas ainda resta a questão básica da
inclusão, da segunda abolição necessária reivindicada por Joaquim Nabuco, a
inclusão propriamente, o acesso ao trabalho, à riqueza”, avalia. “É
preciso esse resgate mais pleno, inclusão na vida política, econômica. Tem sido
lento o processo de avanço, mas também aí acho que temos avançado.”
Cumprindo quarentena há três meses, Gil conta
que está lendo e tocando muito violão. Durante esse período do isolamento, ele
não sente que seja momento para a composição. Mas também não a descarta.
“Talvez agora, depois de uma certa adaptação que a gente já está tendo ao
isolamento social e a todos os seus significados, eu possa começar a reservar
espaço mental, intelectual e espiritual para pensar um pouco em música, em
canção, em escrever coisas.”
E os sentimentos todos, pessimismo, otimismo,
alegria, tristeza, ainda estão oscilando? “Sim, um pouco, mas com menos comoção
que tive no início, quando foi muito chocante. Eu chorava muito, me afligia
muito com as incertezas do sofrimento, e a penalização especialmente dos
idosos, que começaram a ser vitimados. Aí veio o número de mortes na Itália, na
França, na Inglaterra, depois, nos EUA e aqui também. Aquilo me comovia muito,
eu vivia em estado de comoção, que já está mais atenuado agora.”