Livro que inspirou série mistura brilho das grifes e humor letal
A beleza do Teatro Massimo,
em Palermo, se mistura com mais uma versão de Tosca. Não a estreia de 1900,
quando a Itália vivia uma turbulência política capaz de tirar o sono da
realeza. Naquele ano, a rainha e o primeiro-ministro arriscaram assistir à
ópera de Puccini, sob ameaça de um ataque terrorista. A morte do rei Humberto I
viria seis meses depois, pelas mãos de anarquistas.
É nesse ambiente recheado de conspiração política,
da arquitetura à música, que o escritor Luke Jennings abre a saga mais que
bem-sucedida de Codinome Villanelle (Editora Suma), obra que inspirou a série
Killing Eve. O romance policial é a junção de quatro novelas publicadas entre
2014 e 2016 sobre os primeiros passos da assassina que dá nome ao livro, com
seu humor assustador, paixão pela moda e uma presença magnética.
Para quem já assistiu às duas temporadas do
seriado da BBC, a cena do Teatro Massimo será uma surpresa, embora o enredo
siga de modo semelhante ao livro. Villanelle é uma jovem que estava presa na
Rússia e é contratada – por quem, não se sabe – para executar alvos como
grandes executivos de empresas, líderes de associações criminosas e políticos
de renome.
Seu treinamento teve um rigor de dar inveja.
Percorreu cantos escondidos da Europa para aprender com sujeitos estranhos como
manipular armas de fogo, enviar e receber mensagens criptografadas, estratégias
de aproximação, técnicas para abrir portas e, claro, como se vestir com
deslumbre. Uma combinação perigosa, criada por Jennings para desconcertar e
divertir o leitor, ele conta em entrevista por e-mail. “Estava interessado
em ver como eu poderia tornar uma personagem terrível, e ainda assim manter a
simpatia por ela.”
E é com elegância que Villanelle adentra o
templo da ópera de Palermo para “neutralizar” um importante chefe da
máfia. Com a mesma delicadeza que segura uma bolsa Fendi, ela retira uma arma
com silenciador e faz seu trabalho. “Eu queria que o leitor se perguntasse
sobre ela. Villanelle nasceu má ou foi moldada por suas circunstâncias? Será
capaz de sentir empatia, sentir culpa, sentir a dor de outra pessoa? Encontrará
redenção?”, questiona o autor.
Antes de conceber Villanelle, o escritor
britânico desenvolveu histórias protagonizadas por mulheres. Da dançarina de
Breach Candy à jovem atriz de Beauty Stories. “Figuras femininas oferecem
um desafio mais interessante”, ele diz. “Uma chance de olhar o mundo
através dos olhos de alguém completamente separado e diferente de mim.”
Aliás, Jennings não planejava viver do ofício
das letras como principal carreira. Longe da atenção de todos, ele já criava
histórias “e contos que ninguém lia”, mas seu lugar era no palco
Jennings trabalhou como bailarino profissional por dez anos. Uma experiência
interrompida, infelizmente, por um acidente. “Sofri uma lesão nas costas
no palco do Covent Garden, em uma performance da ópera Fausto. Tive que começar
a pensar seriamente em uma nova carreira e escrever parecia ser a
resposta.” O revés foi contornado, e o britânico levou seu conhecimento em
balé clássico para as páginas da Vanity Fair, The New Yorker e The Observer na
forma de críticas. “Ser bailarino e escrever naturalmente ajudou
bastante.”
Por entender de ritmo, Jennings constrói a
narrativa de Codinome Villanelle aos poucos. Começa pelo serviço realizado em
Palermo, narrado de modo diferente em Killing Eve, e se estende nos detalhes
sobre a formação da assassina, e a construção de sua jornada como uma mulher
ágil, discreta, bem-vestida, poliglota e inteligente. A sensação de faltar
problemas para Villanelle logo aparece com o nome de Eve Polastri, uma
investigadora da inteligência britânica que se depara com uma série de
assassinatos de figurões do poder.
É o início de uma caçada que a série Killing Eve
não deixou de mostrar, com cenas desconcertantes no bairro da Luz Vermelha, em
Amsterdã, no frio regado à vodca da Rússia, e no 16º arrondissement de Paris,
onde a assassina vive em um apartamento discreto, tendo na vizinhança a
Fundação Louis Vuitton, o Palais de Tokyo e um rapaz apaixonado que acredita no
sorriso inocente de Villanelle.
Na produção da BBC, protagonizada por Jodia
Comer, no papel de Villanelle, e Sandra Oh, como Eve, a série capitaneada pela
talentosa Phoebe Waller-Bridge recebeu esforços de Jennings na adaptação do
roteiro. “O desafio foi trazer a atmosfera e o humor dos livros para a
tela. Phoebe tinha lido as histórias de Villanelle quando a conheci, e ela as
entendeu perfeitamente”, conta ele. Em cada capítulo, o autor empurra as
protagonistas em uma espiral de escolhas, que torna inesgotável a motivação
dessas mulheres. Tão próximo à morte, o desejo tem lugar criando laços, sem
saídas dramáticas ou psicológicas demais.
Grande desafio mesmo seria executar o serviço
nessa pandemia. “Villanelle ficaria fascinada com o vírus e sua capacidade
de se adaptar às circunstâncias. Ela aprenderia com isso”, conta Jennings.