Me dá um dinheiro aí
Em
dezembro de 1956, chegou em Ribeirão Preto, um rapaz magrinho, que
apesar de muito jovem era excelente cantor. O moço era natural da
cidade mineira de Ituiutaba, mas veio de Uberlândia, onde três anos
antes, aos 17 anos, ganhou um concurso de calouros no programa Astros
e Estrelas do Amanhã. Esse moço foi trazido à Ribeirão Preto pelo
também mineiro Gilberto Garcia – pai das atrizes Isabela e Rosana
Garcia –, para trabalhar na PRA-7 Rádio Clube de Ribeirão Preto;
a primeira rádio instalada no interior do Brasil. Seu nome era
Moacir de Oliveira Franco, e fez muito sucesso imitando Paul Anka e
Neil Sedaka. Animado com o sucesso, Moacir adotou um nome artístico,
surgindo assim o cantor Moacyr Franco – com “Y”. Além de
cantar nos programas musicais da rádio, Moacyr pintava cartazes
anunciando a programação.
Semanalmente vinha de São Paulo, um
jovem, para apresentar na PRA-7, um programa chamado “Levertimentos”,
patrocinado pelas Indústrias Gessy Lever do Brasil. Esse jovem
convidou Moacyr para trabalhar na Lintas Propaganda, que produzia
programas e jingles comerciais para as emissoras de rádio e
televisão: “Você vai trabalhando na Lintas como desenhista, e aos
poucos vai participando dos programas produzidos pela empresa”,
teria dito o jovem, que hoje todos conhecem como José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho; o todo poderoso “Boni”, que mais tarde foi
para a Rede Globo de Televisão. Moacyr aceitou e foi trabalhar na
Lintas, em junho de 1959. Já no primeiro dia de trabalho, Moacyr
cantou num dos programas que era produzido para a TV Record. Da
Lintas Moacyr foi para a TV Paulista, onde, além de cantor, fazia
pontas no programa humorístico A Praça da Alegria, de Manuel de
Nóbrega, contracenando ao lado de artistas
consagrados.
Paralelamente, no Rio de Janeiro, a TV Rio exibia
um programa chamado “Rio, Te Adoro”, escrito por Aloysio Silva
Araújo, Manuel de Nóbrega e Glauco Ferreira – irmão dos
compositores Homero Ferreira e Ivan Ferreira. Nesse programa –
levado por Manuel de Nóbrega – Moacyr atuava em cenas humorísticas
e cantava números musicais. Certo dia, Moacyr foi escalado para
participar de um esquete de humor, em que contracenaria com um casal
de comediantes sentados num banco de praça. No texto, a esposa
comentava com o marido sobre o incômodo assédio dos mendigos que
circulavam pela praça, pedindo esmola. Ao Moacyr competia uma única
fala. Assim que o marido concordasse com a esposa, Moacyr,
caracterizado de mendigo, sairia de dentro de uma lata de lixo,
posicionada bem ao lado do banco, e pedia uma esmola. Sua fala seria:
“Moço, me dá um dinheirinho?” Essa era a piada… um tanto sem
graça.
Entretanto, antes da gravação começar, entrou em cena
a genialidade do comediante Canarinho, que, com toda sua experiência,
decidiu dar uma força ao novato, valorizando a sua participação.
Canarinho teria aconselhado Moacyr a não ficar restrito ao texto.
Moacyr deveria ir para cima do sujeito e dizer algo mais incisivo:
“Ei, você aí! Me dá um dinheiro aí!” Outro conselho era o de
não fazer voz de “coitadinho”, mas que usasse uma voz forte e
marcante, quase autoritária. Complementando com uma pergunta
ameaçadora: “Ah, não vai dar? Não vai dar, não?”Moacyr
seguiu à risca os conselhos do amigo experiente. Na hora em que ele
saiu da lata do lixo, determinado e falando com uma voz rouca, indo
para cima do indefeso cidadão, a plateia se desmanchou em risos, ao
ver a reação de espanto do ator, que se surpreendeu com a novidade
do texto! Graças aos conselhos de Canarinho, o mendigo, que seria
apenas um complemento da piada, um coadjuvante para o casal de
comediantes, roubou a cena e se tornou o protagonista da história.
A ideia deu tão certo que, nos programas seguintes, o mendigo
de Moacyr Franco passou a ser escalado para aparecer com mais
frequência, em esquetes distribuídos em todos os blocos de “Rio,
Te Adoro”; sempre perseguindo o incauto cidadão, interpretado pelo
ator Iran Lima. Os telespectadores aguardavam ansiosos, a entrada
surpresa do mendigo, saindo dos lugares mais inusitados: de dentro da
geladeira, do carrinho de sorvete, do teto da sala, do guarda-roupas,
de dentro da TV da sala, de traz das cortinas, de dentro do fogão.
A seguir, ainda em 1959, o mendigo de Moacyr Franco
participou de um número musical na chanchada “Entrei de Gaiato”,
de J. B. Tanko. Simultaneamente, os irmãos Glauco Ferreira, Homero
Ferreira e Ivan Ferreira, apoiados pela gravadora Copacabana, criaram
uma marchinha com o bordão do personagem e convidaram Moacyr Franco
para gravar. Moacyr gostou da ideia, mas achou prudente se aconselhar
com o amigo Canarinho, antes de fechar o negócio. Canarinho abraçou
o amigo e disse: “Vai lá e grava, meu filho! Tá esperando o quê?
Grava que vai ser um grande sucesso!”
No final de 1959, Moacyr
gravou um disco de 78 rotações com duas músicas: de um lado “Me
dá um dinheiro aí”, dos irmãos Ferreira; do outro “Compromisso
do Palhaço”, de Sálvio Curval. A faixa “Me dá um dinheiro aí”,
foi a música mais tocada no Carnaval de 1960, vendendo mais de 100
mil cópias e tornou-se um clássico dos carnavais.
Em 2011, a
revista Veja elegeu “As 10 melhores marchinhas de Carnaval de todos
os tempos”, onde, “Me dá um dinheiro aí”, aparece na 6ª.
Posição.
Luís Carlos Barbano