Músicos trocam os palcos pelas aulas
“Como é bom poder tocar
um instrumento”, diz Caetano Veloso na canção Tigresa. Mas pode ser cantar
também. Com o isolamento social, a música tem sido companheira de muita gente.
Para além das lives, que conquistaram o público e apontam para um novo modelo
de negócio de entretenimento, tem quem procure perfis nas redes sociais não só
para ouvir, mas aprender música. Opção não falta. E boa parte é gratuita.
A publicitária e cantora Thaís Calderon, de 38
anos, se apresenta profissionalmente desde os 20, mas há quatro anos decidiu
estudar canto e aperfeiçoar sua técnica. Agora, com a quarentena, ela conseguiu
ampliar o tempo de estudo, e optou por cursos online. “Em casa estou no
meu ambiente, fico mais à vontade para fazer os exercícios, as caretas que são
necessárias”, diz, referindo-se a algumas técnicas de aquecimento de voz.
Apesar da rotina de trabalhar de casa e cuidar do filho, ela separa ao menos
duas horas por dia para os estudos, algo que não conseguia anteriormente.
“A única coisa que me tira de um lugar de ansiedade é estudar
música”, afirma Thaís, referindo à quarentena.
O curso que ela escolheu é o ministrado pelo
professor de canto Wagner Barbosa, dono do perfil Voz em Construção
(@vozemconstrução), que, além de se comunicar pelo Instagram, posta aulas no
canal que mantém no YouTube. Um dos planos traz uma série de lives que ficam
disponíveis para além da transmissão ao vivo, nas quais ensina técnicas de
afinação, respiração e alongamento. As aulas duram cerca de 50 minutos. Segundo
Barbosa, a procura pelo material disponível em seu canal, criado em 2016,
aumentou nos últimos 28 dias, quando teve 1.200 horas de exibição, 800 vezes
mais do que o período anterior.
“Comecei postando as dicas porque queria
ensinar técnica vocal, mostrar técnicas e metodologias que aprendi na Europa.
Sinto que contribuo com as pessoas, além de ser um ganha a ganha
infinito”, diz Barbosa, que tem ainda um pacote pago de aulas online (R$
297) e dá orientações particulares. Todas, no momento, via internet. Professor
de canto há 13 anos, Barbosa, que já trabalhou com nomes como Gilberto Gil, Gal
Costa, Daniela Mercury e Criolo, diz que é perfeitamente possível aprender
online. “Em uma ou duas semanas, o aluno vai perceber um desenvolvimento
muito legal. Em um mês, o salto será grande”, diz, ressaltando que é
preciso ter disciplina.
Outro canal no YouTube que traz material
gratuito é o CZR Cifras, criado por Cesar Romero, em 2013, e que atualmente
conta com mais de 1 milhão e 200 mil inscritos. Músico autodidata, Romero conta
que começou a postar vídeos com dicas de como tocar violão sem interesse
financeiro. Formado médico há um ano, Romero não abandonou o canal, mas conta
com outros professores que, além de violão, dão dicas de teclado. “Sempre
brinco que fiz medicina por hobby e que minha profissão é professor de
música”, diz ele, que também tem cursos pagos, que custam em torno de R$
350.
Famosos também estão nas redes e a nova rotina
impôs adaptações para a vida profissional dos músicos. Sem poder fazer shows ou
acompanhar artistas, buscam alternativas, seja em plataformas que oferecem
cursos, seja nas redes sociais.
O maestro Isaac Karabtchevsky, atual diretor
artístico e regente titular da Orquestra Petrobras Sinfônica, ministra, por
meio de um site, um curso de regência para músicos, com 25 aulas online,
divididas em cinco módulos, que trazem temas como “a independência das
mãos” e “como acompanhar um solista”, além de abordar a obra dos
compositores Mozart, Verdi, Beethoven e Villa-Lobos. Embora o curso – que custa
R$ 881 – tenha sido lançado no ano passado e já ter formado 14 músicos, o
maestro acredita que a tendência é que as aulas ganhem força agora. “Eu
nunca acreditei muito em aulas online, mas o resultado se mostrou muito
positivo. Há uma carência grande no ensino de regência”, diz
Karabtchevsky.
Passando a quarentena no Vale das Videiras, na
região serrana do Rio, ele tem postado pequenos vídeos em seu Facebook com
dicas, na série Conselhos a um Jovem Regente. Em um deles, explica a posição
correta do cotovelo na hora de reger. O maestro espera que até julho tudo se
normalize e ele possa dar a tradicional master class em Riva del Garda, na
Itália, que reúne, há mais de 20 anos, maestros de todo o mundo. “Com uma
orquestra à disposição, tudo se torna mais objetivo”, afirma, dando pistas
de que ainda prefere o método presencial.
O fluminense João Felippe, que já tocou com
nomes como Leila Pinheiro e Moraes Moreira, desde 2011 dá aulas de cavaquinho.
Ele retomou seu canal no YouTube (bit.ly/jfelippe) assim que os shows foram
proibidos. Por lá, ele dá dicas de como tocar clássicos da música brasileira
como Juízo Final e Lamento Sertanejo. A intenção, no começo, era ganhar
visibilidade na internet, mas, com o tempo, tomou gosto por auxiliar quem busca
o aprendizado. “Eu mesmo faço tudo: gravo os vídeos, edito e respondo os
comentários. Já fiz muitos amigos por lá”. E ele também ganha alunos. João
afirma que viu o interesse pelo conteúdo online e por aulas particulares
crescer nessa fase de isolamento. Atualmente, ele conta com 15 alunos, entre
brasileiros, americanos e italianos. “Gringo adora cavaquinho; eles querem
aprender chorinho”, diz o músico, que diz que quem já toca violão tem
vantagem nas aulas de cavaquinho. “Muda o tamanho, o número de cordas e a
afinação”, explica.
Japa System, percussionista e produtor, afirma
que precisou traçar novas estratégias durante esse período sem shows. E ele
sabe bem o caminho. A banda que toca atualmente, Baiana System, o conheceu por
meio do canal de YouTube (bit.ly/japasystem) em que posta vídeos que misturam
música instrumental com animações. Com o cancelamento das apresentações, passou
a dar aulas de casa “Estou conseguindo uma renda interessante, fazendo da
minha sala, sem pegar trânsito, sem me arriscar pela rua”, diz Japa. As
aulas custam de R$ 100 a R$ 300, dependendo da duração.
O músico diz que ganha muito mais com shows, mas
gostou da alternativa de dar aulas de casa. “Quero passar uma mensagem aos
colegas músicos: é possível ter uma renda dessa forma, trabalhando de casa. As
pessoas precisam de estímulo e inspiração. Usamos as redes sociais para postar
tanta coisa, por que não expor nossos serviços?” diz.