Perry Mason volta à tela
Por incrível que pareça, o
mundo retratado por Erle Stanley Gardner em seus livros com o advogado Perry
Mason, lançados a partir de 1933, guarda uma semelhança alarmante com o que
estamos vivendo hoje – crise econômica, preconceito, abuso de poder. “É
deprimente que tenhamos progredido tão pouco nesses quase 90 anos”, disse
ao Estadão o ator Matthew Rhys, que interpreta o personagem na nova versão de
Perry Mason, com estreia neste domingo, às 21h, na HBO. “Mas acho que é
nossa responsabilidade mostrar que é preciso mudar”, completou.
Quem conhece a série de mesmo nome estrelada por
Raymond Burr entre 1957 e 1966 vai notar que este Perry Mason nada tem a ver
com aquele. A antiga adaptação inaugurou a era de procedurais (que contam um
caso por episódio) na TV americana, que dura até hoje com seus dramas de
tribunal e policiais. Invariavelmente, o episódio terminava com o criminoso
confessando seu crime no tribunal, depois de apertado pelo advogado Perry Mason.
Originalmente, o novo Perry Mason seria um longa
estrelado por Robert Downey Jr. Mas logo ele e sua mulher Susan Downey, que são
produtores, perceberam que uma série sintonizada com os novos tempos
funcionaria melhor. “O nível hoje é muito mais alto”, disse o diretor
Tim Van Patten (Boardwalk Empire, Game of Thrones). “É preciso criar um
mundo maior e mais rico, com foco nos personagens, não na trama.” O mundo
em questão é a Los Angeles da virada de 1931 para 1932. Enquanto os Estados
Unidos estavam mergulhados na Grande Depressão, a cidade vivia um boom graças à
indústria cinematográfica e ao petróleo. “Ainda assim, havia uma distância
enorme entre as pessoas trabalhando nos escalões superiores e aquelas que não
tinham nada”, afirmou Van Patten.
Downey Jr. desistiu do papel por conta de
conflitos de agenda e foi substituído por Matthew Rhys, vencedor do Emmy por
The Americans. Perry Mason, escrita por Ron Fitzgerald e Rolin Jones, em uma
história de origem. O personagem não é um advogado, mas um detetive lidando com
transtornos de estresse pós-traumático, depois de lutar na Primeira Guerra e
perder sua família. O caso em questão é o sequestro de um bebê, e a trama
envolve pessoas importantes, corrupção e a igreja liderada pela irmã Alice
(Tatiana Maslany). “Infelizmente, onde há poder, seja a polícia ou o sistema
judiciário ou a religião comercial, vai ter corrupção também. É algo atemporal.
Era verdadeiro em 1930 e igualmente hoje”, lembrou Susan Downey. “Mas
queríamos criar esses outsiders que estavam dispostos a derrubar esse sistema,
sem medo das repercussões.”
Além de Perry Mason, dois outros personagens
clássicos aparecem na nova série, em roupagem do século 21. Della Street
(Juliet Rylance) deixa de ser a secretária que até tinha uma ligação romântica
com Mason para ser a pessoa mais competente do escritório do advogado E.B.
Jonathan (John Lithgow), para quem o detetive trabalha. Ela tem um romance,
sim, mas com uma mulher. E Paul Drake (Chris Chalk), que originalmente era o
investigador de Mason, agora é um policial negro nas ruas de Los Angeles.
“O Perry Mason da década de 1950 não era um
reflexo do que acontecia fora dos muros do estúdio. Era uma fantasia”,
explicou Fitzgerald. “O mínimo é fazer uma representação mais próxima da
realidade.” Mas os roteiristas não queriam incluir minorias só para satisfazer
uma demanda de mais diversidade. “Queremos contar uma história completa. O
problema é ter Hattie McDaniel só apertando um corselete”, analisou
Fitzgerald, referindo-se à atriz negra de …E o Vento Levou, alvo de polêmica
recente por sua temática revisionista da Guerra Civil Americana. “Aquela
pessoa tem uma vida e é afetada pelo que acontece a sua volta. Nós vamos para a
casa de Paul Drake e mostramos como enfrenta o racismo no dia a dia.”
Chalk ficou apreensivo em ver brancos tratando
de racismo, mas se tranquilizou depois de conversar com Van Patten. O ator de
33 anos, que presenciou marchas da Ku Klux Klan na cidade onde cresceu, sabe
que o mundo mudou, mas não o suficiente. “Somos um país fundado no
racismo, e é difícil dar fim a isso”, concluiu. Ele respira aliviado
porque a série está em sintonia com o zeitgeist. “Não nos esquivamos de
nenhuma das verdades horríveis Então, se vamos lançar um thriller noir que
envolve a polícia, melhor que fale de abuso de autoridade. Por sorte, nós falamos
“