Sinfônica de Santo André grava obras de oito compositores sobre momento atual
Apresentação será neste domingo (17) na página do Facebook da Sinfônica de Santo André, a partir das 14h
Na semana passada, o maestro
Abel Rocha, diretor da Sinfônica de Santo André, participava de uma reunião
online com maestros e gestores de teatros e orquestras de todo o País. Na
pauta, o impacto da paralisação provocada pela pandemia na vida musical e
possíveis caminhos e alternativas a serem perseguidos a partir de agora.
“Mas não é fácil. Para você ter uma ideia,
quando começamos aquela reunião, a Funarte acabara de nomear um novo diretor.
E, quando terminamos, ele já não estava mais no cargo”, ele brinca, não
sem um certo riso nervoso. “O problema é que uma das características desse
momento que estamos vivendo é justamente o fato de o cenário mudar a todo
instante. Não há como saber exatamente o que teremos pela frente. E, mesmo
quando voltarmos aos palcos, precisaremos ter em mente sempre a profilaxia
necessária para proteger músicos e público.”
Uma certeza, porém, é que a atividade musical
precisa seguir viva de alguma forma. E foi com isso em mente que o maestro e a
orquestra idealizaram um projeto que não apenas se propõe a seguir dando espaço
à nova criação – mas também a fazer isso refletindo por meio da arte sobre o
próprio contexto atual.
Microestreias da Quarentena consiste na
encomenda de novas obras a oito compositores brasileiros. A eles foi pedido
que, ao escrever suas obras, tivessem a pandemia e o isolamento social como
temas. Elas serão apresentadas a partir das 14 horas deste domingo (17) na
página do Facebook da Sinfônica de Santo André, a cada meia hora, precedidas de
um pequeno vídeo em que o autor fala de sua criação. Depois, ficarão
disponíveis em uma playlist no canal da orquestra no YouTube.
Cada peça foi escrita para quatro a seis
músicos, que gravaram individualmente suas partes em casa. “Ao todo, cerca
de 40 artistas da orquestra participaram do projeto, fora toda a equipe
técnica, que trabalhou com muito cuidado na edição e na sincronização dos
vídeos, o que não é uma tarefa fácil Foi um enorme desafio. Cada artista tem um
equipamento em casa, nem todo mundo tem impressora para imprimir a partitura,
então tem que se equilibrar entre o celular, o tablet, o computador. São coisas
nas quais a gente só pensa quando se propõe a fazer. No final das contas,
precisamos montar oito linhas de produção, uma para cada peça”, diz Rocha.
As dificuldades também têm a ver com a própria
interpretação. Na escolha dos oito compositores – Alexandre Guerra, Alexandre
Lunsqui, Chico Mello, João Cristal, Leonardo Martinelli, Mauricio De Bonis,
Neymar Dias e João Guilherme Ripper – a orquestra buscou montar um panorama
diversificado, contemplando diferentes estéticas, com partituras ousadas
“Em alguns casos, como na peça do Neymar Dias, o próprio compositor
participou da interpretação e gravou uma base sobre a qual os demais
trabalharam. Em outros, eu mesmo fui ao piano e preparei orientações para os
músicos, ajudando a decifrar as partituras e sugerindo caminhos de
execução.”
O compositor paulista Leonardo Martinelli conta
que, ao escrever Feras Engaioladas, tentou criar uma metáfora musical para o
momento atual. “O título da peça tem um duplo sentido com o qual brinquei
ao escrever. A fera é tanto o animal quanto aquele músico que é muito bom, que
toca muito, a fera do violino, a fera do clarinete, e assim por diante. Então
pensei nessas feras enjauladas em casa. E na peça cada instrumento tem direito
a dar um grito, um grito que precisa ser colocado para fora.”
Em outros casos, o contexto em que a peça seria
interpretada acabou influenciando a composição. O carioca João Guilherme Ripper
conta que incorporou a impossibilidade de os músicos estarem juntos para gravar
na hora de escrever Quarteto para um Tempo Sem Fim. “Tomei alguns
cuidados. Ritmicamente, a obra não possui uma complexidade que tornaria essa
questão mais difícil do que já é”, ele explica.
Ripper, além de músico, tem uma forte atuação como
gestor cultural. Atualmente, é diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio Como
Rocha, ele também tem se dedicado a discussões sobre o cenário atual e seu
impacto na atividade musical. Para ele, a situação na qual estamos vivendo vai
necessariamente nos levar a pensar em modos de fazer música de formas
diferentes. “Estamos entrando em uma nova era, na qual as plataformas
digitais terão uma função fundamental. Mesmo quando reabrirmos os teatros,
teremos uma série de limitações de público, plateias reduzidas. E pensar em
possibilidades como essa idealizada pela Orquestra Sinfônica de Santo André
será necessário.”