Empresas reclamam de dificuldades para prorrogar dívidas
Renegociação dependerá das partes envolvidas
Empresas e pessoas
físicas têm enfrentado dificuldades para ter acesso à pausa de 60 dias
no pagamento de parcelas de crédito, anunciada pelos cinco maiores bancos do
país. Empresas também reclamam de juros mais caros em novas operações de crédito.
No mês passado, Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander anunciaram a
prorrogação por até 60 dias dos vencimentos de dívidas para clientes pessoas
físicas e micro e pequenas. A medida não vale para cheque especial e cartão de
crédito. A renegociação de dívidas foi autorizada pelo Conselho Monetário
Nacional.
O conselho facilitou a renegociação de operações de créditos de empresas e de
famílias que possuem boa capacidade financeira e são adimplentes. A medida
dispensa os bancos de aumentarem o provisionamento (reserva de valor) no caso
de repactuação de operações de crédito que sejam realizadas nos próximos seis
meses.
De acordo com o Banco Central (BC), estima-se que aproximadamente R$ 3,2
trilhões de créditos possam se beneficiar dessa medida. Na época, o BC disse
que a “renegociação dependerá, naturalmente, do interesse e da conveniência das
partes envolvidas. ”
Justiça
O advogado Márcio Casado diz que os clientes com dificuldades de acesso à pausa
no contrato podem registrar reclamações nos Procons e ouvidoria do Banco
Central, mas para ele a medida mais efetiva é fazer um pedido de liminar na
Justiça, com base no Código Civil. Ele lembra que o artigo nº 393 do código
define que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito
ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.
“Houve modificações no Código Civil, no ano passado, que permite a revisão de
contratos, quebra de contrato nas situações absolutamente fora da curva,
inesperadas”, disse.
Segundo o advogado, há casos de cobrança de juros quando se pede a prorrogação
da dívida, e ele acrescenta que “a lei não condiciona a exclusão da mora nesse
período em que configurada a força maior à eventual situação de adimplência do
consumidor”. “A oferta dos bancos necessita de uma análise de crédito, não é
automática. Na verdade, o que eles estão fazendo é refinanciando e reexaminando
o cadastro do indivíduo. Quando o cliente consegue contato com o banco, não há
margem de negociação, só é possível fazer o que o sistema autoriza”, disse. Ele
acrescentou que já entrou com pedido de liminar para 10 empresas com
dificuldades de acesso à negociação.
Ele também critica o prazo de 60 dias. “O período deve ser aquele em que
perdurar o estado de força maior. Ao que tudo indica o prazo mais razoável para
o momento de crise que o mundo vive deve ser de quatro meses”, destacou. O
advogado acrescenta que essa pausa no crédito deveria atender a todas as
pessoas físicas e jurídicas que necessitassem do crédito. Ele citou como
exemplo motoristas por aplicativo, com financiamento de carros, que podem ter
dificuldades de pagar as parcelas, devido à redução do número de passageiros.
Para entrar na Justiça, Casado diz que as pessoas sem condições de pagar um
advogado podem procurar a Defensoria Pública, o Ministério Público e a
assistência jurídica de faculdades de Direito.
Juros mais altos
O setor de comércio e serviços (mais de 5 milhões de negócios no país) enviaram
no último dia 30 uma carta ao Banco Central reclamando do aumento de juros do
crédito para as empresas. “Solicitamos atenção a despeito das medidas de
injetar liquidez no sistema financeiro nacional, pois observa-se o aumento
expressivo das taxas, com médias superiores a 50% e, alguns casos superiores a
70%, em operações habituais do varejo, tais como de capital de giro, conta
garantida, antecipação de recebíveis, risco sacado, empréstimos 4131, entre
outras operações”, diz a carta aberta.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que as taxas de juros
ficaram estáveis no decorrer das últimas semanas, desde o momento que a crise
atingiu o Brasil mais severamente. “De forma geral, as taxas médias nas
operações de varejo, tanto de pessoa física como de pessoa jurídica, não
registraram oscilações neste período, tanto no caso das prorrogações, como para
o varejo, que concentram a imensa maioria dos clientes”, diz a nota.
Entretanto, segundo a federação, nas operações novas e com grandes empresas,
“às vezes, o cenário é um pouco
distinto, sobretudo com linhas mais longas. ” “Isso ocorre porque o custo de
captação [dos recursos pelos bancos] aumentou substancialmente, mas, neste
caso, as operações de crédito envolvem grandes empresas, que demandam volumes
significativos de recursos, com impactos relevantes sobre a liquidez do setor
bancário. Além disso, os bancos internacionais cortaram as linhas que
dispúnhamos, o que estreitou mais ainda a liquidez do sistema”, acrescenta a
Febraban.
No último dia 23, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que o conjunto
de medidas de liberação de liquidez (recursos disponíveis no mercado)
anunciadas até agora pelo Banco Central chegam a R$ 1,2 trilhão. Na crise
financeira internacional, de 2008, o valor foi bem menor: R$ 117 bilhões.
No dia 26 de março, Campos Neto também afirmou que tem conhecimento de relatos
de aumento do custo do crédito. Ele disse que isso acontece por maior demanda
das empresas por determinadas linhas de crédito e também pelo maior risco de
inadimplência. “A crise pode gerar uma inadimplência maior e isso custa capital
para o banco”, afirmou, acrescentando que o BC está atento ao mercado de
crédito.
Na nota, a Febraban afirmou que “as instituições financeiras trabalham com
análise de risco de toda economia, brasileira e mundial, e houve mudanças
significativas nas últimas semanas”. “As bolsas caíram fortemente de suas
máximas históricas, o mercado fez uma reavaliação geral nos preços dos ativos,
o dólar foi para outro patamar e a expectativa de crescimento do PIB brasileiro
e mundial desabou”.
Nesse contexto, acrescentou a Febraban, houve uma revisão do risco no país e no
exterior. “O mundo ficou mais arriscado. As medidas recentes do governo, via
Banco Central e Ministério da Economia, são, sem dúvida, muito bem-vindas e
buscam justamente endereçar algumas dessas questões, como liquidez. Mas, mesmo
com essas importantes medidas, a circulação de dinheiro ficou mais restrita”,
destacou.