Grupo Petrópolis tenta sobreviver sem o dono
Com o cargo de presidente
vago desde que o seu fundador, Walter Faria, foi preso há quatro meses acusado
de corrupção por lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, o Grupo
Petrópolis, dono da cerveja Itaipava, tem buscado empréstimos de bancos
estrangeiros e fundos de investimento especializados em empresas em
dificuldades para financiar sua expansão.
Faria se entregou no dia 5 de agosto à Justiça
de Curitiba, após cinco dias foragido – pesam sobre ele e a empresa acusações
de lavagem de dinheiro. A companhia teria destinado, entre 2006 e 2014, R$ 329
milhões à Odebrecht para que a empreiteira repassasse os valores adiante em
forma de propina. O empresário, apontado como um dos 20 brasileiros mais ricos no
início deste ano pela revista Forbes, teve também bloqueados seus bens,
avaliados em R$ 1,3 bilhão.
Terceira maior cervejaria do País, com
faturamento líquido de R$ 9,6 bilhões em 2018 e 14% de participação de mercado
– contra de 61% da Ambev e 20% da Heineken, segundo dados Nielsen obtidos pelo
Estado -, a Petrópolis é há anos considerada um ativo problemático, embora o
negócio seja gerador de caixa. De um lado, a empresa atrai interesse de
concorrentes e de grupos estrangeiros por causa de seu crescimento. De outro,
os investidores se preocupam com os intrincados problemas judiciais do grupo.
A prisão de Faria fez a companhia passar a ser
considerada um ativo “tóxico” pelos eventuais interessados em comprar
a cervejaria, como as rivais Heineken e Femsa, engarrafadora da Coca-Cola.
Fundos estrangeiros também teriam interesse na cervejaria. “Depois de toda
a consolidação do setor, é raro encontrar um ativo relevante de cerveja
disponível em um mercado como o Brasil. É esse o ponto de atração da Petrópolis”,
diz um empresário do setor de bebidas.
Procurada, a Petrópolis afirma que a venda do
controle do negócio ou a busca de um sócio estão totalmente descartadas. E diz
que os projetos empresariais e de marketing seguem em seu ritmo normal.
O grupo deve inaugurar no ano que vem sua sétima
fábrica, que está sendo construída em Uberaba (MG). Tem planos de construir
outras duas novas unidades – uma no Sul e outra no Norte do País Desde 2018, no
entanto, a empresa vem buscando recursos para financiar seu crescimento.
Recorreu à gestora americana Farallon para um empréstimo de R$ 1,2 bilhão. O
fundo costuma ir ao resgate de ativos em situação de estresse. Ao lado da
gigante Mubadala, de Abu Dabi, comprou uma concessão de rodovias que pertencia
à Odebrecht. A Petrópolis também negociou uma linha de crédito com o banco
alemão LBBW. Procurados, Farallon e LBBW não retornaram aos pedidos de
entrevista.
Questionada sobre sua estratégia de
financiamento, a cervejaria não comentou.
Liderança – Apesar de Walter Faria estar na prisão há 120 dias, o
discurso do Grupo Petrópolis é de que a empresa está relativamente blindada da
crise. A filha do fundador, Giulia, está interinamente à frente da companhia,
amparada por cinco executivos da empresa.
A meta da defesa do empresário é reverter a
prisão preventiva antes do recesso judicial de dezembro, apurou o Estado com
fontes a par do assunto. A equipe legal de Faria inclui os advogados Paulo
Campoi e Cleber Lopes, sócio do escritório Lopes & Versiani. O ex-ministro
do STJ Paulo Gallotti se juntou recentemente ao time. Procurados, os advogados
não retornaram aos pedidos de entrevista.
A ascensão do empresário Walter Faria, 64 anos,
tinha tudo para ser uma dessas trajetórias de empreendedorismo que inspiram
pessoas ao mostrar que é possível criar um negócio do zero no Brasil. A
história de superação do fundador do Grupo Petrópolis, no entanto, vem
acompanhada de uma dose de desconfiança do mercado, em função de suspeitas que
vão de sonegação fiscal à operação de esquemas de corrupção e recebimento de
recursos no exterior. Faria completa quatro meses de prisão na próxima
quinta-feira, dia 5. Os problemas com a Justiça, porém, não são recentes. Em
2005, o empresário já havia ficado dez dias detido, no âmbito da Operação
Cevada.
Embora a companhia repita que não tem intenção
de buscar um comprador ou um sócio – a reportagem apurou que a equipe fiel a
Faria aguarda com ansiedade o retorno do fundador -, outros grupos já começam a
se posicionar caso o empresário permaneça mais tempo na cadeia e a situação do
negócio se deteriore.
Entre os potenciais compradores estão a
Heineken, a Femsa (engarrafadora da Coca-Cola) e o fundo Farallon, que investe
em ativos em dificuldades na América Latina e já fez um empréstimo de R$ 1,2
bilhão à Petrópolis.
Conforme quatro fontes consultadas pelo Estado,
os potenciais compradores têm algo em comum: só estão dispostos a comprar 100%
do negócio para se blindarem de eventuais problemas com a Justiça que uma
sociedade com o empresário poderia acarretar. Procurados, Heineken, Femsa e
Farallon não comentaram. O grupo SABMiller, antes de se associar à gigante
ABInBev, chegou a avaliar a aquisição da Petrópolis, mas o negócio não foi
adiante
De porta em porta – Um veículo que simboliza a origem humilde de Faria é
exibido na recepção da sede do grupo liderado pelo empresário desde 1998.
Fontes próximas ao empresário contam que, ainda adolescente, ele vendia
produtos em uma carroça para ajudar no sustento da família. Antes de virar dono
de cervejaria, ele trabalhou na indústria de algodão e também foi distribuidor
da marca Schincariol.
Mesmo quem conhece e defende o empresário admite
que o crescimento do grupo cervejeiro foi ancorado em um estilo muito
particular de gestão. Até cerca de uma década atrás, a estrutura da Petrópolis
tinha composição basicamente familiar. Vários parentes de Walter Faria
integravam o corpo de diretores da companhia até que uma briga causou uma cisão
que excluiu seus sobrinhos, Vanuê e Cleber Faria, da sociedade da Petrópolis.
A ala “dissidente” criou então o grupo
Irmãos Faria e comprou a Cervejaria Imperial, que hoje tem cerca de 1,5% do
mercado brasileiro de cerveja.
Isso levou a uma parcial profissionalização da
gestão. Segundo uma fonte, porém, todos os que são autorizados a dar as cartas
dentro do grupo têm em comum a fidelidade ao “patrão”. Apesar da
dificuldade de financiamento que levou a Petrópolis a recorrer ao fundo
Farallon, a empresa garante que a vida segue “normal”.
Essa busca por uma rede de confiança se reflete
também na estratégia de defesa do empresário no atual processo. Um dos
advogados de Faria é Paulo Campoi, que já defendeu a Congregação Cristã do
Brasil. A opção faz sentido. Pessoas próximas a Faria dizem que ele é
evangélico praticante.
Investimentos em marketing – Apontada pelo mercado cervejeiro como um negócio
gerador de caixa, o Grupo Petrópolis avançou em participação de mercado, a
despeito das acusações que pesam sobre a companhia e seu principal acionista.
Embora seu principal carro-chefe, a Itaipava,
tenha perdido fôlego, a participação de mercado do grupo atingiu 14,3% no
acumulado de janeiro a setembro de 2019, ante 13,8% de fatia no mesmo período
do ano passado, segundo dados Nielsen obtidos pelo ‘Estado’. Uma das âncoras do
resultado foi a marca Petra, que hoje tem quase 2% do mercado brasileiro. Na
mesma comparação, a Heineken ganhou participação de mercado (chegando a 20,3%),
enquanto a Ambev viu sua fatia encolher, mas ainda assim é a líder isolada, com
61,3%.
A companhia tem apostado pesado em marketing. A
Itaipava é a única cerveja a manter um camarote próprio no Sambódromo do Rio de
Janeiro. Recentemente, a Petra também assumiu o patrocínio do cinema Belas
Artes, em São Paulo, que antes ficara a cargo de bancos como HSBC e Caixa
Econômica Federal.
O grupo informou, por meio de sua assessoria,
que os projetos de marketing estão seguindo normalmente o planejamento traçado,
com especial atenção à merca Petra.