Indústria com mais tecnologia tem o menor peso na exportação em 24 anos
O
Brasil está perdendo a corrida para exportar produtos manufaturados de maior
valor. A indústria de alta e média/alta tecnologias – que produz itens como
veículos, peças automotivas, aviões, máquinas e remédios – respondeu em 2019
por 32% das vendas externas da indústria de transformação, a menor participação
desde 1995. O levantamento é do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi), e segue os critérios da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De acordo com o economista do Iedi, Rafael
Cagnin, a queda nas exportações desses produtos, que somaram US$ 40,2 bilhões
no ano passado, coloca a engrenagem do crescimento do País para girar no
sentido oposto. Como produz itens mais elaborados, que envolvem mais insumos e
outras fabricantes na cadeia de fornecedores, a indústria que aplica mais
tecnologia tem mais potencial para gerar emprego, renda e injetar dólares na
balança comercial.
A disputa entre EUA e China levou a uma forte
desaceleração do comércio global em 2019, que deve ter crescido 1,5%, menos da
metade do que no ano anterior. Isso causou uma queda generalizada (de 7,9%) das
exportações da indústria de transformação nacional, a primeira retração desde
2015.
As turbulências na conjuntura mundial desnudaram
problemas estruturais de longa data, como a baixa competitividade dos produtos
da indústria brasileira em relação aos concorrentes por causa do elevado custo
Brasil.
Segundo Cagnin, o quadro de mais incerteza no
mundo prejudicou particularmente as vendas de produtos com maior tecnologia.
“Quando o ambiente de negócios é ruim e falta previsibilidade, como em
2019, consumidores e empresas freiam compras de maior valor.”
A crise na Argentina, o principal comprador de
manufaturados brasileiros na América Latina, sobretudo de carros, também
agravou o resultado das exportações da indústria de média/alta tecnologia. No
ano passado, o tombo das vendas externas desse segmento foi de 14,2% ante 2018.
O resultado foi influenciado por veículos (-24,7%), mas também houve retrações
significativas em produtos químicos (-9,6%) e em máquinas (-7,7%).
A queda nas exportações dos fabricantes de alta
tecnologia foi ainda mais expressiva: 15,7%, a maior em dez anos. O resultado
foi puxado para baixo pela indústria aeronáutica e aeroespacial (-21,9%) e de
medicamentos (-2,5%).
No caso dos aviões, cuja produção está
concentrada na Embraer, André Castellini, sócio da Bain & Company e
especialista do setor, diz que o mercado de jatos regionais está mais disputado
e que a empresa está introduzindo um novo modelo. Esses fatores explicariam a
retração.
Brasil perde posição em vendas externas
Nono parque industrial do mundo, o Brasil
diminuiu ainda mais a pouca relevância que tinha no comércio externo de
produtos manufaturados. Em 2008, respondia por 0,81% das vendas externas em
valor desses produtos. Dez anos depois, fatia tinha recuado para 0,62%.
No mesmo período, caiu da 29.ª posição do
ranking dos maiores exportadores de manufatura para o 32.º lugar, de acordo com
a Organização Mundial do Comércio. “Houve uma involução bastante firme das
exportações brasileiras de manufaturados”, diz Rafael Cagnin, economista
do Iedi.
Segundo levantamento da Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB), em 2019, os produtos manufaturados representaram
34,6% das exportações totais do País, a menor fatia em quase 40 anos. Em 2000,
essa participação beirou 60%.
Uma das razões da pequena presença dos
manufaturados nas exportações se deve ao forte mercado doméstico, que é o ganha
pão da maioria das indústrias brasileiras. Mas o principal obstáculo ao avanço
das exportações apontado por empresários e economistas é o custo Brasil, uma
série de despesas que torna a produção nacional desvantajosa para o exportador
em relação aos concorrentes.
O presidente da AEB, José Augusto de Castro,
lembra que, por muito tempo, a taxa de câmbio ancorava as discussões sobre o
desempenho das exportações brasileiras. Hoje, ele acredita que o câmbio, ao
redor de R$ 4,10, é adequado e que a redução do custo da produção é a questão
central do debate. “O custo é definitivo, a taxa de câmbio é temporária,
flutua e não é fator de competitividade.”
Castro ressalta ainda que o mercado para as
vendas de produtos brasileiros está concentrado na América do Sul.
“Estamos num mercado que representa 3% das exportações mundiais e os
outros 97% estão largados, pois não temos preços competitivos de manufaturados
para vender para os EUA, Europa, muito menos para a China.”
Estudo feito pelo Boston Consulting para o
Ministério da Economia calculou que o custo de se produzir no Brasil é R$ 1,5
trilhão (22% do PIB) superior na comparação com a média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O trabalho
considerou 12 áreas vitais para a competitividade, da abertura ao fechamento de
um negócio, passando por impostos, burocracia, infraestrutura etc.
“Poderíamos ter um PIB muito maior, caso
não tivéssemos esse custo”, afirma José Ricardo Roriz Coelho,
vice-presidente da Fiesp e presidente da Abiplast. Assim como Castro, Roriz
considera que o câmbio está adequado e o problema é que o custo Brasil afeta a
competitividade.
Desincentivos
O presidente executivo da Abimaq, José
Velloso, diz que no Brasil há “desincentivos” para exportar. Entre os
fatores que desestimulam as exportações, que no ano passado caíram 7% no setor,
ele aponta a falta de financiamento e dificuldades de obter ressarcimento de
créditos de impostos gerados na compra de matérias-primas.
A indústria farmacêutica é outro setor de alta
tecnologia que teve recuo nas exportações. Segundo Nelson Mussolini, presidente
do Sindusfarma, o controle de preços dos remédios no mercado interno inibe investimentos
em inovação na indústria. “Exportamos só produto velho.” Hoje, o
setor vende no exterior 6% da produção.
Indústria demitiu e deu férias para se ajustar
O ano de 2019 não foi bom para a Fupresa, que
fabrica, em Indaiatuba (SP), peças e componentes para caixa de câmbio e
motores. Essas autopeças são classificadas como produtos de média/alta
tecnologia. A empresa, que tem mais da metade do faturamento voltado para
exportação, registrou queda de 15% nas vendas em euros para Alemanha, França e
Espanha no ano passado.
Por causa dessa retração, provocada pelo recuo
do consumo no mercado europeu, a indústria teve de ajustar a produção. É que
essas autopeças feitas para determinados modelos de veículos europeus não são
absorvidas no mercado nacional.
A saída encontrada pela companhia foi colocar o
pé no freio da produção. “Reduzimos um turno de trabalho, de três para
dois, e entre 10% e 15% o número de funcionários”, conta Paulo Butori,
presidente da Fupresa.
A empresa, que fatura cerca de US$ 30 milhões
por ano, chegou a ter 65% da receita vinda do mercado externo em 2018. No ano
passado, essa fatia recuou para 55%.
Produtos de média/alta tecnologia, como as
autopeças, são fabricados em indústrias que participam de cadeias longas de
produção que envolvem muitos outros fabricantes e empregos. Nos cálculos de
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil
(AEB), para cada US$ 1 bilhão exportado de produtos manufaturados são gerados
50 mil empregos diretos e indiretos. Quando a roda da economia gira no sentido
contrário, há demissões na cadeia, como ocorreu na Fupresa.
Segundo o Sindipeças, as exportações do setor
caíram 11,4% sobre 2018. Dan Ioschpe, presidente da entidade, explica que a
queda foi puxada pelo mercado argentino, principal parceiro comercial e que
passa por forte crise.
A Marcopolo, por exemplo, fabricante de
carrocerias de ônibus, sentiu os efeitos da crise no país vizinho. As
exportações totais da companhia caíram 21% em 2019 em número de unidades, um
pouco menos que a retração registrada pelo mercado, de 24%. José Luiz Moraes
Goes, gerente executivo de Negócios Internacionais para Américas, aponta a
crise na Argentina e as turbulências que houve em mercados importantes da
América Latina para a empresa, caso do Chile, como fatores que levaram à
retração. Além disso, em 2018, a empresa tinha feito uma grande venda para
países africanos, evento que não se repetiu em 2019.
Goes diz que não demitiu para ajustar a
produção. Mas deu férias coletivas nas cinco fábricas que tem no País. Também
aumentou em 20% as vendas de carrocerias de ônibus no mercado doméstico para
compensar a queda nas exportações.