Inflação baixa não entrou na genética do brasileiro’, afirma Pedro Malan
Passados 25 anos
do lançamento do Plano Real, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, um dos
principais responsáveis pelo plano de estabilização, diz que a inflação baixa
ainda não se incorporou ao patrimônio genético do brasileiro. “Ela exige
atenção permanente, em particular com problemas fiscais.” O alerta vale
principalmente porque, segundo ele, ninguém “seriamente” acredita que
a reforma da Previdência solucionará, sozinha, todos os problemas fiscais do
País. “Temos desafios sérios a resolver”, diz. “Mais sérios
ainda vão ficar se Estados e municípios ficarem fora da reforma.” A
seguir, os principais trechos da entrevista:
Nesses 25 anos de Real, a meta de inflação foi reduzida várias vezes. A
pressão sobre os preços ficou para trás?
Não. Numa economia como a do Brasil sempre haverá pressão sobre preço. Sempre
digo que o fato de estarmos tendo inflação baixa por alguns anos não significa
que ela tenha sido incorporada definitivamente ao patrimônio genético do
brasileiro. Inflação exige atenção permanente, em particular, com os problemas
fiscais, os fluxos de gastos e receitas.
O Banco Central (BC) sofre pressão para reduzir juros e recebe críticas por
vincular cortes a reformas. O que o sr. acha disso?
No período recente o BC tem tido um comportamento exemplar. O Ilan Goldfajn
(ex-presidente do BC) e o Eduardo Guardia (ex-ministro da Fazenda) fizeram um
trabalho extraordinário para as circunstâncias com as quais se defrontaram no
dia 12 de maio de 2016 (quando Michel Temer assumiu a presidência). Recuperaram
a credibilidade que estava fortemente abalada.
Mas o BC foi claro na vinculação da política monetária à reforma
previdenciária.
O BC tem de deixar claras suas opções porque podem acontecer coisas neste
intervalo. Na ata e no relatório de inflação, ele deixa claro que está olhando
o que é de sua obrigação. Não podemos ter um BC que diz: vou fazer isso porque
não importa o resto. O resto importa e não existe política monetária com total
independência da política cambial ou fiscal.
A reforma da Previdência é suficiente para resolver a questão fiscal?
Ninguém disse seriamente que era suficiente. Temos problemas sérios para
resolver. Mais sérios ainda vão ficar se Estados e municípios ficarem fora da
reforma. Agora, faz muita diferença quando o supremo mandatário do País se
envolve ou não no processo de reforma. Há 30 anos, quando fomos derrotados na
aprovação da idade mínima, o presidente Fernando Henrique se envolveu
totalmente no processo.
Qual seria a economia mínima com a reforma para estabilizar a dívida
pública?
Quanto mais tração fiscal ela tiver, melhor. Porque os gastos, na ausência da
reforma, estão crescendo de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano. Isso expulsa
o conjunto das despesas primárias do governo com saúde, segurança e
investimento.
Qual sua visão sobre as privatizações propostas pelo governo?
É a mesma desde a época em que modificamos capítulos da ordem econômica na
Constituição para que setores domésticos e internacionais pudessem participar
do esforço de investimento em infraestrutura. Não tínhamos nenhuma motivação
política ou ideológica. Simplesmente dizíamos que o Brasil precisava aumentar
os investimentos em infraestrutura e não havia a menor possibilidade de o setor
público fazê-lo. Foi daí que surgiu a privatização das telecomunicações, que
foi um extraordinário serviço prestado a este País.
As negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia começaram quando o
sr. era ministro. Por que levou tanto tempo?
Porque o tema é complexo. Tem interesses conflitantes dentro de cada país.
Dentro do Brasil há interesses conflitantes. Lá, são 28 países e o Parlamento
Europeu. Vai demorar um tempo ainda, mas do ponto de vista da criação de um
clima positivo, de expectativas quanto à nossa capacidade de nos conectar com o
mundo, é muito importante. Foi muito positivo, como será positivo o ingresso do
Brasil na OCDE.
Qual foi a estratégia de comunicação para conquistar apoio da população ao
Plano Real?
O mais importante foi o ministro da Fazenda, à época Fernando Henrique Cardoso,
ter deixado claro que o plano de estabilização, ainda sem nome, não traria
surpresas de congelamentos de preços, “tablitas”, indexações
diferentes de ativos e passivos que marcaram as experiências anteriores.
Aprendemos muitas lições com aquelas experiências. Tanto que o Real contou com
a imprescindível colaboração de três veteranos do Cruzado: Persio Arida, André
Lara Resende e Edmar Bacha. Eles desempenharam papel admirável e constituíram
uma equipe fantástica com Gustavo Franco, Murilo Portugal e outros no
lançamento do Real.
O plano não foi colocado na rua de uma só vez, não é?
Fomos anunciando aos poucos, à medida que íamos definindo as coisas. Tanto que
a primeira entrevista coletiva foi no dia 7 de dezembro de 1993. Divulgamos um
texto no qual dizíamos que, em algum momento de 1994, iríamos lançar a Unidade
Real de Valor (índice que procurava refletir a variação do poder aquisitivo da
moeda, servindo como unidade de conta e referência de valores) durante um
período que também queríamos definir. Lançamos a URV em 1.º de fevereiro de
1994.
Para muitas pessoas, uma falha do Real foi não ter atacado os juros. Para
outras, a indexação. Qual é sua crítica ao plano?
Tudo são respostas às circunstâncias do momento. O que se impunha ali era o
ataque à inflação, que passou de 2.400% em 1993. É hiperinflação em qualquer
lugar do mundo. Espero que o Real tenha vindo para ser a definitiva moeda
nacional. Tínhamos problemas sérios em bancos privados e públicos. Fizemos
intervenções no Banerj e no Banespa. As coisas se impunham naturalmente. As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.