No radar de empresas estrangeiras, profissionais de tecnologia deixam o País
Cinco convites para processos
seletivos, por semana, costumam chegar pelo LinkedIn para o engenheiro de
software Lucas Albuquerque, de 27 anos. São, em sua maioria, enviados por
empresas europeias de Tecnologia da Informação (TI), que, assim como as
brasileiras, sofrem com a falta de mão de obra. Diante da baixa oferta de
trabalhadores qualificados na área, países como Alemanha, Suécia e Polônia têm
aberto suas portas para brasileiros, e as companhias, bancado passagens e
moradia para a família dos trabalhadores nos primeiros meses após a mudança.
Vivendo com a mulher na Polônia há dois anos,
Albuquerque já comprou apartamento, viu seu filho nascer em um hospital onde as
enfermeiras não falavam inglês – nem ele polonês – e mudou de emprego.
“Nunca tinha pensado na Polônia, mas a empresa me encontrou (pela
internet) e aí descobri que, enquanto a Alemanha concentra mais startups, a
Polônia tem empresas mais robustas, o que deu segurança para eu mudar.”
Albuquerque já chegou a trabalhar ao lado de
outros dois brasileiros em uma equipe de apenas dez profissionais. “Quando
cheguei aqui, tinha como saber quem eram quase todos os brasileiros. Agora, não
dá mais. O grupo no WhatsApp de brasileiros de TI em Cracóvia tem 207
pessoas.”
Os altos índices de violência, a falta de
serviços públicos de qualidade e a dificuldade para desenvolver tecnologias de
ponta estão entre os fatores que têm levado os brasileiros de TI a deixar o
País. Como consequência, está o aumento da distância entre o Brasil e os países
mais avançados.
Na Suécia, por exemplo, o número de vistos
concedidos para brasileiros trabalharem na área passou de 15 em 2014 para 126
no acumulado deste ano. Do total dos novos vistos em 2014, 19% eram para
profissionais de TI. Hoje, esse número chega a 36%.
Um dos destinos mais procurados, a Alemanha deu
2.851 vistos de trabalho para brasileiros no ano passado – em 2014 foram 904. A
embaixada alemã no Brasil não segmenta esse dado por área, mas calcula que, em
2018, 1,5 mil brasileiros trabalhavam com ciência e tecnologia no país.
“Falta talento na área. E o talento
brasileiro que vem para a Europa costuma ser mais sênior”, diz o português
Pedro Oliveira, cofundador do Landing.jobs, um site que conecta empregadores da
Europa e trabalhadores de tecnologia. Na plataforma, brasileiros são o segundo
maior grupo de usuários, com 15% do total, atrás apenas dos portugueses, com
30%.
“Como esse é um momento de expansão do
mercado, grande parte das empresas nunca para de contratar. As que têm
estrutura para trazer pessoas de fora optam por esse caminho”, diz o
engenheiro de software Felipe Ribeiro Barbosa, de 34 anos.
Após sete anos na Suécia, Barbosa está agora nos
Estados Unidos, trabalhando na Netflix. Na Suécia, ele chegou em 2012 e era o
único brasileiro na companhia em que trabalhava. “Depois, em 2015, durante
a crise no Brasil, foi impressionante a chegada de brasileiros. A empresa
contratou até uma recrutadora brasileira ” Em 2018, quando Barbosa deixou
Estocolmo, já havia 30 brasileiros na empresa.
Segundo pesquisa do Boston Consulting Group (BCG),
os EUA são o destino preferido dos brasileiros de TI. De 131 profissionais
ouvidos pela consultoria aqui, 63% afirmaram estar dispostos a se mudar para o
país. Canadá, Portugal e Alemanha aparecem em seguida.
Os países europeus, porém, acabam ganhando dos
EUA por facilitarem a permanência de estrangeiros. É comum, por exemplo, que o
cônjuge do profissional contratado também consiga visto de trabalho – o que
dificilmente ocorre nos EUA.
Na Europa, a maioria dos países também não exige
que o trabalhador tenha concluído o ensino superior. É o caso de Daniel
Rodrigues da Costa Filho, de 37 anos – 23 deles como programador. Ele chegou a
cursar Ciências da Computação, mas largou, o que não o prejudicou no processo
de seleção. Apenas quando solicitou o visto no consulado alemão, precisou
comprovar que tinha experiência na área.
O paulista trabalha em uma startup, mas já
passou pelo N26, um dos maiores bancos digitais da Europa. “Trocar de
emprego é simples aqui. A procura (por parte das empresas) é grande e, com o
Brexit, tem muita empresa vindo para Berlim.”
Salário X carreira – Salário mais alto em uma moeda mais forte não costuma
ser o principal atrativo da Europa para brasileiros da área de Tecnologia da
Informação (TI). Há casos em que o poder aquisitivo do trabalhador até diminui
após a mudança, o que é compensado pela possibilidade de estar em um grande
centro de inovação e se desenvolver profissionalmente.
Pesquisa da consultoria Boston Consulting Group
(BCG), feita em parceria com a empresa de soluções para recrutamento The
Network, mostra que, para os brasileiros de TI, o fator mais valorizado na hora
de escolher um emprego é o desenvolvimento da carreira. O salário aparece na
oitava posição na lista de prioridades para brasileiros. Na média global, está em
quinto lugar.
O paulista Daniel Rodrigues da Costa Filho, de
37 anos, pensava em mudar para a Europa desde 2010. “Queria participar do
desenvolvimento da tecnologia”, diz. Há três anos, trocou São Paulo por
Berlim, na Alemanha, mesmo perdendo poder aquisitivo. “Minha impressão era
de que, na minha área, tudo acontecia fora do Brasil.”
Na Noruega há pouco mais de um ano e após sete
anos na Suécia, a engenheira Andressa Kalil, de 37 anos, destaca itens como
segurança, bons serviços públicos e oportunidades de trabalho como fatores
preponderantes que a levaram para a Europa. “As empresas que lideram na
área de TI estão fora do País, e é nelas em que se tem mais possibilidades para
aprender. O Brasil corre muito atrás do que já está desenvolvido.”
A cearense Josiane Ferreira, que está há quatro
anos em Estocolmo, lembra ainda que, na Suécia, há uma grande preocupação com a
igualdade de gênero. “No Brasil, quando se trabalha com TI é comum ser a
única mulher na equipe. Aqui, a questão de gênero é uma das prioridades das
empresas.”
Acima da média – O levantamento do BCG indica ainda que 87% dos
brasileiros de TI estão dispostos a mudar de país para trabalhar. O número é
maior que o registrado entre brasileiros de outras áreas (73%) e da média
global de trabalhadores de TI (67%).
Diante dessa predisposição dos trabalhadores
para deixar o Brasil, as empresas locais precisam fidelizar seus funcionários,
oferecendo treinamentos e ensinando a cultura da companhia, diz Luiz
Comazzetto, vice-presidente e sócio da consultoria de recrutamento Fesa.
“Se você não cuidar do funcionário como um craque, ele te larga no
primeiro momento.”
As empresas precisam também se adaptar ao modo
de remunerar e de garantir qualidade de vida aos empregados, afirma o
consultor. Liberar os funcionários para trabalharem de casa, com flexibilidade
de horário, é essencial, diz. Contratar o trabalhador por projeto, permitindo
que atue para mais de uma empresa, também é uma possibilidade. “Hoje o
pessoal de TI escolhe onde vai trabalhar. A única forma de segurar essa galera
é se aproximar do que as empresas de fora oferecem”, acrescenta
Segundo Comazzetto, há polos no Brasil em que as
empresas estão mais avançadas nessa transformação, como Recife (PE),
Florianópolis (SC), Campinas (SP) e Pelotas (RS). “Nesses locais as
companhias já entenderam as mudanças. Você pega um trabalhador do Recife, que
vai à praia antes de trabalhar e tem boa qualidade de vida, dificilmente ele
vai querer sair de lá.”
O professor de Liderança e Pessoas da Fundação
Dom Cabral, Paulo Almeida, destaca que, apesar das dificuldades atuais, o
profissional de TI deve estar atento ao potencial de crescimento de mercado do
Brasil. “Na Europa as carreiras costumam ser mais estagnadas. O Brasil é
um país continental, com muito potencial”.