Prometer muitos gastos não atrai mais o eleitor como antes, diz economista
Em entrevista exclusiva ao Jornal Primeira Página, o economista-chefe
da consultoria MB Associados, Sergio Vale, fez uma análise sobre o retrato
atual das finanças dos municípios e as implicações no debate eleitoral de 2020.
Na opinião de Vale, a população já não se sensibiliza mais com discursos que
prometam a ampliação de gastos públicos, dada a limitação fiscal das
prefeituras. A seguir, a entrevista na íntegra.
Em geral, qual realidade os prefeitos
eleitos em 2020 devem encontrar nas administrações municipais em termos de
despesas e receitas?
Segue sendo verdade que o crescimento baixo da economia tem prejudicado a
recuperação fiscal dos municípios brasileiros. Muitos deles, especialmente os
grandes, passaram por reformas em suas previdências que ajudam um pouco no
longo prazo. Mas os pequenos continuam dependendo fortemente das transferências
federais, o que coloca uma limitação natural para crescimento de despesas. A
PEC do Pacto federativo poderá fazer com que diversos municípios sejam
incorporados a outros menores caso não tenha nível mínimo de receitas próprias.
Essa PEC deverá ser o elemento mais importante de discussão para os municípios
nos próximos anos. Além disso, espera-se que a reforma tributária seja aprovada
através da PEC 45, que se encontra na Câmara. Ela permitirá simplificação
tributária que trará maior crescimento e arrecadação para os municípios. Mas
espera-se que apenas em 2021 ela possa ser aprovada.
Prometer grandes obras e grandes
projetos, que envolvam gastos exorbitantes, é razoável para candidatos a
prefeito nessas eleições?
Esse tipo de promessa não tem respaldo na estrutura de gastos dos munícios. Não
há espaço fiscal para investimentos que permitiram esse tipo de promessa. Há
que se tomar muito cuidado na eleição com candidatos que prometem grandes obras
e sabidamente não terão condições fiscais de serem feitas. É preciso que o
eleitor cada vez mais se informe com detalhes sobre os projetos de seus
candidatos.
Acredita que o eleitor esteja mais
aberto a ouvir propostas que envolvam redução de despesas e reorganização da
máquina pública, com aquelas que envolvam privatizações e concessões?
Creio que sim. A população entendeu que não basta ter um Estado inchado, mas
que ele pode ser menor e com mais qualidade. Os diversos escândalos fiscais em
prefeituras ao longo dos últimos anos permitem que a população tenha
consciência de que o gasto tem sido mal empregado, o que é notório em relação à
qualidade do que se entrega. Precisa haver uma consciência do eleitor, que às
vezes cobra muito o governo federal, mas que tem que cobrar a prefeitura e os
governos estaduais para uma boa educação e saúde.
Acredita que o debate eleitoral possa
ser mais racional já nessas eleições ou ainda teremos de esperar por isso?
Acho que discursos de muitos gastos já não atraem como antes. A população tem
muito mais acesso à informação e vai querer saber como as melhorias vão ser
feitas. Esse eleitor mais ressabiado com os desmandos fiscais do passado
precisa, mais do que tudo, ter consciência de continuar cobrando seu prefeito e
vereador depois de eleitos. A democracia não se completa apenas na eleição, mas
no exercício constante do eleitor em demandar seus pleitos para seus governantes.