‘Adoro o River, mas sempre fui Flamengo’, diz Moacir, campeão do mundo em 1958
O
telefonema vem direto da casa do bairro de Pancho Jacome, cerca de 30
minutos do centro de Guayaquil, no Equador. Do outro lado da linha,
uma voz conhecida. Voz de um campeão do mundo que sempre devemos
respeitar: pelo seu passado, por sua história de vida e por seus
feitos futebolísticos. Voz de um senhor de 83 anos, que já conheceu
a glória dos campos de futebol e hoje vive sua velhice ao lado da
mulher Martha e de três filhos – dois já casados e a jovem
estudante Claudet.
“Como está?”, perguntou o seu
Moacir, o camisa 13 da seleção brasileira na Copa do Mundo da
Suécia, reserva do melhor jogador daquele Mundial de 1958, o
incomparável Didi da Folha Seca.
A reportagem respondeu que
tudo está bem e devolveu a pergunta: “E o senhor, como anda?”
O repórter perguntou por perguntar. Sabia que a resposta passava
pela dificuldade financeira. “As coisas estão difíceis por
aqui. O dinheiro que ganho com a aposentadoria vai todo nos remédios
que tomo: cerca de US$ 300 (R$ 1.200). Desde que fiquei doente (teve
um câncer e dois enfartes), tomo nove comprimidos por dia”.
É
impensável imaginar que um integrante daquela seleção de sonhos
possa estar passando por dificuldades financeiras. Um meia que formou
ataque de 1957 com Mané Garrincha, Mazzola, Pelé e Canhoteiro. Mas
não dá para comparar o que ganhava um craque daqueles tempos com um
jogador mediano dos dias atuais. No auge de sua carreira, seu Moacir
Claudino Pinto jogava no Flamengo, esse mesmo que vai disputar a
final da Copa Libertadores neste sábado. Aliás, naquele grupo
campeão do mundo de 1958 havia todo um ataque rubro-negro: Joel,
Moacir, Dida e Zagallo. E o artilheiro Evaristo de Macedo só não
esteve na Suécia porque já jogava no futebol espanhol, onde virou
lenda do Barcelona e Real Madrid.
“Quando ainda estava no
Flamengo, o nosso time principal fazia questão de chegar mais cedo
ao Maracanã só para ver o time de aspirantes jogar. O time era
sensacional e era onde brilhava o Moacir”, contou ao Estado,
certa vez, Evaristo de Macedo. O meia Moacir jogava o fino da bola. E
foi esse talento que o tirou de uma vida miserável. “Com 5 anos
já perambulava pelas ruas de São Paulo, abandonado pela minha
família”, revelou o seu Moacir, em outra reportagem de 1998 no
Equador, quando dirigia a equipe de base do Barcelona de
Guayaquil.
Internado em um orfanato em Osasco, Moacir cresceu
jogando bola e acabou sendo levado para fazer testes no Rio de
Janeiro. Agradou tanto em seu primeiro treino que acabou ficando no
alojamento da Gávea. “Nunca mais voltei para o orfanato”.
Era
a metade da década de 1950. O “Expressinho” rubro-negro
praticava um futebol empolgante. Logo Moacir estava no time titular.
Em 1958, às vésperas do embarque para a Europa, fez seus dois
únicos gols pela seleção brasileira, em amistoso contra a
Bulgária: 4 a 0.
O técnico Vicente Feola gostava de seu
futebol. Carimbou o passaporte para a Copa do Mundo e só não teve a
honra de participar do campeonato porque Didi era um monstro
insubstituível – tanto que recebeu o prêmio de melhor jogador da
competição. “Todo mundo do ataque jogou naquela Copa, menos eu
e o Pepe”.
“Mas eu não tenho do que reclamar”,
comentou com sinceridade seu Moacir. Depois que abandonou o futebol,
virou treinador e fez trabalhos diversos na função. Já foi
comandante, por exemplo, da equipe infantil do Exército
equatoriano.
Quando saiu do Flamengo (onde jogou de 1956 a
1962), Moacir foi parar no River Plate, rival do clube brasileiro na
decisão de Libertadores. Ou seja, seu Moacir jogou nas duas equipes
credenciadas a festejar a América neste final de semana.
Em
1963, estava no Peñarol. Depois jogou no Everest, do Equador. E de
1964 a 1970 foi ídolo do Barcelona de Guayaquil e encerrou a sua
carreira no Carlos Manucci, do Peru, em 1974. Da equipe peruana,
guardou grandes amizades.
Sua mulher e seus filhos são
equatorianos – Moacir teve um casamento no Brasil, desfeito quando
foi para o futebol estrangeiro. Na década de 1970, os filhos Júnior
e Jordan eram esportistas e a pequena Claudet era o dengo da
família.
Mas se a questão financeira tira um pouco do bom
humor de Moacir Claudino Pinto, a atual fase do Flamengo o deixa
muito orgulhoso “Por estes dias recebi uma mensagem de um amigo
equatoriano, com um desenho: era um caminhão do Flamengo passando
por cima de todo mundo. Realmente este time é muito bom. Tem muito
entusiasmo”, disse.
Moacir também jogou em um Flamengo de
sonhos, de títulos e de Maracanã lotado. “Assisti pela
televisão os 5 a 0 sobre o Grêmio Gosto muito daquele menino que
tem o cabelo pintado. Como ele se chama mesmo?” O artilheiro:
Gabriel. “Este mesmo. E o time todo tem entusiasmo. Mas para
ganhar do River Plate é preciso jogar com serenidade, os 90 minutos.
O time argentino é muito bom e tem força ofensiva também”.
A
reportagem pergunta a Moacir para quem ele vai torcer, uma vez que
vestiu a camisa dos dois rivais sul-americanos. “Eu adoro o
River, como gosto do Peñarol, do Barcelona de Guayaquil, do Everest,
do Carlos Manucci… mas sou Flamenguinho, entendeu? Claro que vou
torcer para o meu Flamengo”.
A paixão é antiga. Foi ali
no clube da Gávea que ele mudou a história de sua vida de abandono.
Foi ali que entrou para a história do futebol nacional. E foi
naqueles anos de juventude no Rio de Janeiro que formou um dos
maiores times rubro-negros de todos os tempos. A reportagem pergunta
se tem comparação deste time do Flamengo com aquele em que jogou.
Ele fica em silêncio. E emenda. “Que é isso… Não há
comparação, o nosso era muito melhor!”