Ítalo-brasileiro, repórter descreve pandemia na Itália: “Absurdo”
Pasquale Edivaldo Cacciola é de Alagoinhas, interior da
Bahia, mas, adotado por uma família italiana, mudou-se para o país europeu aos
dois anos. O português entrou em sua vida aos 18 anos, quando começou a estudar
o idioma da pátria mãe pela internet. O ítalo-brasileiro vive em Nápoles, onde
acompanha como jornalista o dia a dia do Napoli, um dos times de futebol mais
tradicionais da Itália. O esporte, porém, saiu (sem previsão de volta) da
rotina dele e dos mais de 60 milhões de italianos que, hoje, choram as mortes
de milhares de compatriotas pela pandemia do novo coronavírus (covid-19).
“Mais absurdo que isso, acho que só uma invasão alienígena”, resume Pasquale à
Agência Brasil. “Não parece real. Nossas vidas mudaram de repente. Nossos
costumes. Quando o governo fechou quase tudo [serviços considerados não
essenciais, em 11 de março], muitas pessoas correram para os supermercados para
comprar tudo. Hoje, quando saímos [de casa], tem de ser com máscara, luvas,
tendo de ficar ao menos 1 metro afastados uns dos outros. Não dá para entrar
nas lojas de alimentação juntos. Fica uma fila enorme do lado de fora e entra
uma pessoa por vez”, relata.
O controle nas ruas, segundo o jornalista, é rígido. “A polícia para, quer
saber o que você está fazendo. Se não houver uma justificativa séria, há uma
denúncia penal. Se anda de carro, também é parado pela polícia. Eles te entregam
um documento para assinar e depois eles cruzam as informações. Se não for
verdade, o cara é denunciado”, descreve o ítalo-brasileiro, que está
encontrando dificuldades até para comprar artigos para o filho que nasce em
maio. “Só consegui [comprar] o carrinho, o berço e um pouco das roupas. Ainda
falta. Não sei quando [as lojas] abrirão. A previsão é 4 de abril, mas, com
certeza, não será tudo de uma vez. Será devagar. ”
A Itália é, hoje, a nação com mais mortes provocadas pelo novo coronavírus.
Nesta segunda-feira (23), elas passaram de 6 mil, com cerca de 50 mil casos
confirmados da doença. A maioria deles na região da Lombardia, no Norte. “É a
parte mais rica do país. Mesmo assim, onde está a maior parte da riqueza, há
muitos infectados e falecidos, infelizmente. Chegam imagens marcantes. Como em
Bergamo, cidade mais afetada, com salas grandes e caixões com pessoas que não
conseguiram ter um funeral”, descreve Pasquale.
Nápoles, onde o jornalista esportivo mora, é capital da região da Campânia,
que, segundo o último relatório do Ministério da Saúde italiano, apresentou
1.052 registros por covid-19, com 49 óbitos. Para o ítalo-brasileiro, o fato de
o contágio pelo coronavírus ter se dado principalmente no Norte deixa um alerta
para o Brasil. “O que teria ocorrido se tivesse chegado com força aqui no Sul?
Ou mesmo no centro? Não é brincadeira. Não subestimem. Fiquem em casa. O Brasil
pode sair dessa se observar os outros países e ter cuidado. Se o vírus chegar
aos lugares mais pobres, será difícil”, avisa.
O Conselho Nacional de Pesquisa da Itália crê que a estabilização de infectados
no país ocorra entre quarta-feira (25) e 15 de abril, indicando, porém, um
recente aumento de casos justamente ao sul. Em meio à tentativa de controlar a
pandemia, os italianos se questionam sobre o futuro. “As vidas voltarão a ser
como antes? A pergunta é um pesadelo para o pessoal. O que acontecerá depois?
Haverá uma situação de recessão. Depois de superar o desafio da saúde, terá o
social, o econômico. Estamos preocupados, mas, com esperança de que voltaremos
à vida normal. Sairemos dessa mais fortes e com mais alegria”, conclui.
Último plano
A cobertura jornalística do futebol na Itália está parada até mesmo para quem
trabalha nela. “A prioridade é outra”, resume Pasquale, embora reconheça que a
Federação Italiana de Futebol (FIGC, na sigla em italiano) terá uma dor de
cabeça para solucionar após a estabilização da pandemia. A Série A (como é
conhecido o campeonato da primeira divisão do país) parou no último dia 8, após
26 rodadas disputadas, a última já com portões fechados. O torneio estava
previsto para acabar em maio, mas, desde a suspensão das partidas, não há
perspectiva de retorno. O próprio Napoli, clube que o jornalista acompanha para
o site CalcioNapoli24.it,
cogitou reiniciar os treinos na próxima quarta-feira, mas, nesta última
segunda-feira (23), voltou atrás.
“O plano [da Liga] é recomeçar no fim de maio para jogar entre junho e
julho. Mas há vários jogadores infectados. Estão todos bem, alguns
assintomáticos, mas a questão é: há de se ter certeza que a situação foi
resolvida. Será que até maio? Junho? Não sei. Digamos que recomece em maio e no
fim do mês descobrimos que um atleta está contaminado de novo”, questiona,
reconhecendo que pode ter havido demora da organização do futebol local em
paralisar o campeonato, mas ponderando que se trata de uma situação
extraordinária. “Ninguém esperava uma coisa dessas e é a primeira vez que algo
assim acontece”.
Recentemente, o presidente de um clube da primeira divisão, o Brescia, defendeu
que a atual edição da Série A não fosse retomada. “Não temos de pensar em
quando voltar a jogar, só em sobreviver. Quando falamos de futebol, tudo deve
ser pensado para a próxima temporada. Sejamos realistas”, declarou Massimo
Cellino em entrevista ao jornal Corriere dello Sport.
Pasquale pensa de forma parecida. “Acho que [o melhor] seria parar o campeonato
agora, não terminar mais, mas são as autoridades que decidirão claramente. O
futebol é uma paixão, mas o interesse passou. Há uma situação mais importante”,
encerra Pasquale.