Pandemia deve causar prejuízo de até R$ 20 bilhões no futebol europeu
O prejuízo do novo
coronavírus no futebol irá bem mais além do que somente paralisar os
campeonatos. As previsões de especialistas em finanças são bastante sombrias
sobre o quanto a modalidade vai se fragilizar e sofrer uma das maiores crises
econômicas da história. Apenas as cinco principais ligas nacionais da Europa
(Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França) podem ter um impacto do
equivalente a R$ 20 bilhões se os campeonatos não puderem ser retomados,
segundo projeção da consultoria KPMG.
O estudo divulgado nesta semana e obtido pelo Estado traça um
panorama de como as principais competições vão sofrer por fatores como a falta
de receitas em dias de jogo, perda de compromissos comerciais e o prejuízo pela
falta de transmissão na TV. A situação atual dos campeonatos é de cancelamento,
ainda sem uma confirmação de quando o calendário poderá voltar.
A mais rica de todas as ligas é quem
pode ter o maior golpe. Apenas a Premier League, na Inglaterra, pode sentir no
bolso um impacto de R$ 6,7 bilhões. Cerca de 62% desse valor (R$ 4,2 bilhões)
se deve às transmissões de televisão pelo mundo afora, cujos valores são
fixados de acordo com a quantidade de jogos exibidos pelos canais. No entanto,
a interrupção do calendário gera um ciclo de perdas imenso e com reflexo até
mesmo em receitas menores, como as vendas de comida nos estádios.
Na opinião de especialistas ouvidos pela reportagem, apurar o impacto total do
coronavírus no esporte é uma avaliação impossível. A paralisação na Liga dos
Campeões da Europa e o adiamento da Eurocopa são outros fatores de grande peso
para enfraquecer o futebol, por envolverem uma cadeia de serviços ainda mais
ampla do que as ligas nacionais como viagens de torcedores, verbas maiores de
patrocínio e contratos maiores de TV.
Segundo a própria KPMG, no Brasil o duro golpe financeiro será pesado porque
boa parte dos recursos depende principalmente dos times estarem em atividade.
As rendas com bilheteria representam 15% da receita anual dos clubes e os
contratos de TV são responsáveis por 42%. Justamente esses dois segmentos
importantes são os mais afetados pela paralisação.
“A receita dos clubes depende muito das vendas de jogadores. Mas a janela
de transferência deste ano tem chance de não dar muitos frutos e isso também vai
impactar muito em toda a cadeia do futebol”, disse o líder de Mídia e
Esportes da KPMG no Brasil, Francisco Clemente. “Agora tem de se pensar no
que deve ser feito para proteger o caixa, para que os recursos dos clubes sejam
utilizados da melhor maneira possível”, completou.
Alguns países começaram a se mobilizar para tentar diminuir o golpe. Apesar de
não ter uma liga de alto valor de mercado, a Bolívia tem negociado entre
dirigentes de clubes e sindicatos de jogadores uma maneira de se reduzir os
salários enquanto a suspensão do calendário estiver em vigor. A ideia veio da
própria Federação Boliviana de Futebol (FBF, na sigla em espanhol).
POSSÍVEIS SOLUÇÕES – Se o cenário é
de reduzir o prejuízo, algumas soluções no Brasil podem ser úteis. Nesta semana,
clubes acionaram o Ministério da Economia para solicitar a suspensão temporária
do pagamento das parcelas do Profut, programa de refinanciamento de dívidas
fiscais do futebol estabelecido em 2015. Quem tomará a decisão final sobre o
pedido é o responsável pela pasta, Paulo Guedes.
“Os clubes precisarão de fôlego financeiro, pois suas fontes de receitas
podem secar neste período. Uma das alternativas seria a suspensão do pagamento
das parcelas mensais do Profut”, afirmou o advogado especializado em direito
desportivo Eduardo Carlezzo. “Uma questão que deverá ser enfrentada, caso
a paralisação das competições se alongue, é a suspensão dos contratos dos
atletas enquanto perdurar a crise. Dezenas de clubes não suportarão pagar
salários sem que estejam disputando algo”, completou.
Para o professor de marketing esportivo da ESPM Ivan Martinho, a hora é de as
equipes diversificarem receitas e buscar lucrar com outras áreas. “A
criatividade é a resposta. A condição que estamos passando nos dá a chance de
inventar e ousar. Ainda temos gente que está querendo consumir futebol”,
explicou. A dica dele é apostar na internet nesta época de quarentena, com
interatividade entre torcedores, vídeos de gols antigos e atuação dos jogadores
em torneios online de videogame.
Outra indicação é de usar a própria preocupação mundial com a pandemia em um
instrumento para reforçar a marca e imagem dos clubes em campanhas.
“Estamos em uma fase do marketing que não importa só expor a marca, é
importante olhar os valores. O futebol não está deslocado da realidade do mundo
e pode ter um protagonismo como preservação pública”, avaliou Bruno Maia,
ex-vice-presidente de marketing do Vasco, diretor executivo da Agência de
Conteúdo 14 e especialista em negócios e novas tecnologias no esporte.
O líder de mercados da KPMG André Coutinho relembra que mesmo sem o calendário,
os clubes vão conseguir manter a torcida e um grande potencial para diminuir
perdas. “Nenhuma empresa no mundo tem milhões de clientes tão cativos
quanto os clubes. É um público leal e que consome sem precisar fazer muito
esforço. Será preciso fazer um marketing diferenciado para esse período”,
comentou.