Violência contra crianças pode crescer 32% durante pandemia
Levantamento de ONG aponta aumento de denúncias em escala global
Um relatório da organização não governamental (ONG) World
Vision estima que até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos,
poderão se somar às vítimas de violência física, emocional e sexual nos
próximos três meses em todo o planeta. O número representa um aumento que pode
variar de 20% a 32% da média anual das estatísticas oficiais. O confinamento em
casa, essencial para conter a pandemia do novo coronavírus, acaba expondo essa
população a uma maior incidência de violência doméstica.
“À medida que o coronavírus progride, milhões de pessoas se refugiam em suas
casas para se proteger. Infelizmente, a casa não é um lugar seguro para todos,
pois muitos membros da família precisam compartilhar esse espaço com a pessoa
que os abusa. Escolas e centros comunitários não podem proteger as crianças
como costumavam nessas circunstâncias. Como resultado, nosso relatório mostra
um aumento alarmante nos casos de abuso infantil a partir das medidas de
isolamento social”, afirma Andrew Morley, presidente do conselho da World
Vision International, segundo o documento tornado público na última
quarta-feira (20).
As medidas de distanciamento social, incluindo o fechamento de escolas, foram
adotadas por 177 países e afetaram 73% de toda população estudantil mundial,
fazendo com que a maior parte das crianças permanecesse praticamente todo o
tempo em suas casas.
O levantamento da ONG incluiu a revisão de indicadores emergentes de violência
contra crianças, como relatórios de aumento de violência doméstica, crescimento
do número de denúncias por telefone, informações dos escritórios de campo e
estimativas feitas com base em epidemias anteriores. No caso do Brasil, a
projeção é de um aumento de 18% no volume de denúncias de violência doméstica.
Esse aumento deve chegar a 75% no Chile, 50% no Líbano e 21,5% nos Estados
Unidos.
Em abril, por exemplo, um balanço do governo de Bangladesh, compilado a partir
de várias fontes, incluindo a World Vision, apontou que os espancamentos ou
castigos físicos cometidos por pais ou responsáveis aumentaram em 42% e que os
pedidos de ajuda nos serviços telefônicos de apoio subiram até 40% no país. Na
Ásia, entre 3,5 milhões e 5,7 milhões de crianças poderão ser vítimas de
violência nos próximos meses. Esse número é ainda maior na África, podendo
atingir até 18,3 milhões a mais de vítimas. Na América Latina, as projeções
indicam que a pandemia deve aumentar entre 2,9 milhões e 4,6 milhões o número
de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.
Casamento infantil
Uma estimativa destacada pela World Vision, em seu relatório, é o aumento do
número de casamentos forçados de crianças e adolescentes, que podem envolver 13
milhões de vítimas na próxima década, uma boa parte (4 milhões) nos próximos
dois anos, como reflexo direto da pandemia. Segundo o relatório, os casamentos
precoces de meninas adolescentes “podem ser percebidas pelos pais ou
cuidadores como forma de reduzir encargos domésticos, ou um meio de obter renda
ou obter empréstimos através de economias informais baseadas no dote”.
Um relatório recente da Europol, a Polícia Europeia, mostra que a demanda por
conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes aumentou durante a
pandemia da covid-19. Dados compilados de outras partes do mundo, como Índia,
Filipinas, Tailândia e Camboja também apontam o mesmo aumento.
Financiamento
Outra preocupação destacada pela World Vision é com a piora na oferta de
serviços públicos que ajudem a detectar e prevenir a violência ou mesmo
assegurar o atendimento adequado às vítimas, justamente por causa da redução
dos serviços públicos durante a quarentena. “Antes da covid-19, estes
sistemas e serviços já sofriam com níveis extremamente baixos de investimento
por parte dos governos e de doadores, bem como lacunas nas políticas públicas
para acabar com a violência contra crianças. Doações e investimentos para
combate à violência contra crianças representam apenas 0,6% do orçamento total
em assistência ao desenvolvimento e 0,5% do financiamento humanitário
global”, informa o relatório.
A ONG faz uma série de recomendações aos governos nacionais para conter o
aumento da violência contra crianças e adolescentes, entre elas a garantia de
continuidade e disponibilidade dos serviços de proteção infantil, especialmente
nas zonas mais vulneráveis socialmente. Também pedem a manutenção da oferta do
disque-denúncia, além de garantir a disponibilidade e facilitar o acesso a
serviços de apoio psicossocial e saúde mental para
crianças, pais ou cuidadores que sofreram ou estão com risco de sofrer
violência.
Ainda segundo o relatório, as autoridades devem oferecer orientações sanitárias
sobre a covid-19, além de treinamento na prevenção da exploração sexual e abuso
e sobre como relatar preocupações com segurança. Aos mais vulneráveis, os
governos devem adotar medidas de proteção social, como auxílio financeiro às
famílias e assistência alimentar para atender as necessidades básicas das
crianças.