Aliados de Bolsonaro tentam isolar extremistas
Após fracassar sua ofensiva
para deter as ações do Supremo Tribunal Federal (STF), o bolsonarismo propõe
agora uma détente entre as instituições e procura isolar os grupos radicais que
pregam “intervenção militar”, com o fechamento do Congresso e da Corte.
Nos círculos mais próximos do presidente, o movimento é justificado em razão da
avaliação de que extremistas, como Sara Geromini, estariam
“contaminando” os movimentos pró-governo.
A decisão de se descolar desses grupos veio após ações do STF
que levaram extremistas à prisão e à quebra de sigilos de apoiadores e
parlamentares bolsonaristas, além da prisão de Fabrício Queiroz, apontado pelo
Ministério Público como operador financeiro de Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ) no esquema das rachadinhas. Os grupos intervencionistas
sempre foram tolerados e até dividiram carros de som com expoentes do
bolsonarismo. Organizadores de atos pró-governo e aliados do presidente pregam
agora que eles sejam isolados e rotulados como indesejados, como se fossem
black blocs da direita.
“Desde as Diretas-Já sempre tem um maluco com uma placa
que diz bobagem. Esse pessoal com bandeiras inadequadas não representa o
pensamento do grupo que apoia Bolsonaro”, disse ao Estadão Luís Felipe
Belmonte, terceiro na hierarquia do Aliança Pelo Brasil, partido que o
presidente Jair Bolsonaro tenta criar. Belmonte foi um dos alvos da ação da PF
no caso das fake news. “Essa história de fechar Congresso e STF é uma
conversa estúpida e sem nenhum fundamento. Não tem apoio no grupo do Bolsonaro.”
Um dos fundadores do Avança Brasil, Newton Caccaos disse que
os grupos radicais “atrapalham” com atitudes impensadas, como os
fogos contra o STF. “Não sei qual é a da Sara Geromini, que já foi de
esquerda, mas virou de lado. Não podemos ser confundidos com os mais radicais e
intervencionistas.”
A operação de retirada do bolsonarismo das pautas extremistas
ocorre dois meses após o presidente ter ido a ato que defendia o golpe em
frente ao quartel do Exército, em Brasília. A mudança pode ser vista nas redes
sociais. Na quinta-feira, o youtuber Alberto Silva, do canal O Giro de Notícia,
publicou vídeo no qual aparece vociferando contra “eles”, sem
especificar o alvo. “Eles fazem esse tipo de notícia como se nós fôssemos
bandidos”, disse, citando escândalos do noticiário nos últimos anos.
“Aqui o dinheiro é lícito.”
Dias antes, o canal de Silva apagou 148 vídeos, segundo
levantamento de Guilherme Felitti, da empresa de análise de dados Novelo. Os
títulos e descrições das obras removidas dão uma ideia de quem seriam
“eles”: a sigla STF aparece 251 vezes, sempre como alvo. Outros
canais também moderaram o discurso. “Sou contra fechar o Supremo”,
disse em vídeo Adilson Dini, do Ravox Brasil, um dos investigados pela Justiça.
Os bolsonaristas apagaram 3,1 mil vídeos desde que o STF agiu
contra o esquema que buscava emparedar a Corte, segundo os dados de Felitti.
“É claro que o STF está agindo com base em uma demanda, porque a
democracia vem sendo atacada. O problema é que a gente está concentrando o
poder no Supremo. Qual a garantia de que isso não vai ensejar abusos?”,
indagou o cientista social Caio Machado, da Universidade de Oxford, que
pesquisa desinformação e discursos de ódio no YouTube.
Colisão
Para o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, Bolsonaro se
elegeu como representante da antipolítica e com as redes sociais. “Mas não
se governa com a antipolítica ou com as redes.” Ao se recusar a criar uma
coalizão, Bolsonaro escolheu o que Jungmann chama de “presidencialismo de
colisão”, uma fórmula que está esgotada.
“Desarticulada pelo STF, a base digital dele perde
capacidade de operar. Também ficou evidente que as Forças Armadas nunca
estiveram à disposição de Bolsonaro (para aventuras).” Símbolo disso seria
a passagem à reserva do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo
Ramos, após pressão do Alto Comando do Exército.
Com a pandemia, as ações do STF e a falta de apoio à ideia de
um golpe, o presidente se veria, na análise do cientista político José Álvaro
Moisés, em uma encruzilhada. “Ele não cria uma resposta coordenada e
eficaz contra a crise da covid-19. Isso afeta todas as classes sociais.”
É por isso que Bolsonaro lançou a détente, afastando-se de
manifestações e demitindo Abraham Weintraub da Educação. Na Guerra Fria, a
détente foi a política entre as superpotências – EUA e URSS – que visava a
diminuir as tensões e o risco de uma guerra catastrófica. A détente
bolsonarista serve para estancar a crise com o STF e o Congresso. Em encontro
com Dias Toffoli, presidente da Corte, Bolsonaro disse: “O nosso
entendimento pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país”.
Para Manoel Fernandes, sócio da consultoria Bites, Bolsonaro
precisa manter a base mobilizada com confrontos. “Em breve vai arrumar
outro inimigo.” O alvo, então, pode ser um governador ou o resgate da
pauta de costumes. Na guerra fria entre os Poderes, o STF e o Congresso têm
suas armas – o primeiro, inquéritos criminais e o segundo, o impeachment.
Bolsonaro sabe. E, por isso, adota o estilo Jair paz e amor. “O que
ninguém sabe é até quando”, disse Moisés.
Redes
sociais
Jair Bolsonaro mantém a força nas principais redes sociais.
Levantamento da consultoria Bites mostra, por exemplo, que em uma delas, o
Facebook, ele obteve neste ano mais compartilhamentos do que o presidente
americano, Donald Trump. Bolsonaro tem 10,5 milhões de seguidores, fez 990
publicações e conseguiu 20 milhões de compartilhamentos. Trump, com 28 milhões
de seguidores, publicou 2.680 posts e teve 17 milhões de compartilhamentos.
Desde a posse, Bolsonaro somou 14 milhões de seguidores nas
suas redes – hoje tem 37,4 milhões. Fez 8,7 mil posts e obteve 1 bilhão de
interações. Ao mesmo tempo, segundo Manoel Fernandes, sócio da Bites, criou um
sistema de comunicação em torno dele – só os cinco principais sites de
propaganda em forma de notícia do bolsonarismo contaram 24 milhões de visitas
em maio, enquanto seus influenciadores mantêm de 400 mil a 2 milhões de
seguidores no YouTube.
Mas nem tudo são rosas para o bolsonarismo. A radicalização
dele criou um movimento – ainda difuso – de oposição. De 15 de março a 25 de
junho, Bolsonaro teve 38,7 milhões de menções no Twitter associadas a hashtags
positivas e 17,2 milhões negativas. “Um dado importante é a quantidade de
perfis únicos que produziram as hashtags, incluindo as repetições. São 7,1
milhões de bolsonaristas e 8,2 milhões de perfis de oposição. Tem mais gente de
oposição falando do que bolsonarista. Os bolsonaristas falam mais vezes”,
disse Fernandes. Para ele, os números mostram que só uma oposição unida e com
um líder claro pode derrotar Bolsonaro.