Bolsonaro quer subsidiar conta de luz de igrejas
O
presidente Jair Bolsonaro quer conceder subsídio na conta de luz
para templos religiosos de grande porte. A pedido dele, uma minuta de
decreto foi elaborada pelo Ministério de Minas e Energia e enviada
para a pasta da Economia, mas a articulação provocou forte atrito
no governo. A equipe econômica rejeita a medida, que vai na
contramão da agenda do ministro Paulo Guedes, conhecido por defender
a redução de benefícios desse tipo. O Ministério de Minas e
Energia confirmou que o assunto está sendo avaliado.
Embora o
movimento seja para beneficiar templos religiosos de forma ampla, os
evangélicos são o alvo da medida. A bancada desse segmento é hoje
a principal base de sustentação do governo e Bolsonaro tem atendido
suas reivindicações desde que assumiu a Presidência. A influência
de líderes evangélicos sobre o Palácio do Planalto é cada vez
maior e o próprio presidente já disse que quer tê-los por perto na
administração.
Com essa perspectiva, muitos templos já
anunciaram a disposição de ajudar Bolsonaro a coletar as quase 500
mil assinaturas necessárias para criar seu novo partido, o Aliança
pelo Brasil. Bolsonaro também já avisou que pretende indicar um
ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo
Tribunal Federal (STF) Os evangélicos representam 29% dos
brasileiros e podem ser o fiel da balança na campanha de Bolsonaro à
reeleição, em 2022.
Coordenador da Frente Parlamentar
Evangélica, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) disse que a
concessão de subsídio na conta de luz para templos religiosos é
“justa” e tem impacto “mínimo”. Segundo Câmara,
a medida não beneficiará apenas evangélicos e as igrejas não
geram lucro. “Os templos religiosos só funcionam das 18h às
23h e é justamente nesse horário que as distribuidoras podem cobrar
mais”, afirmou. “Fechem todas as 300 mil igrejas no Brasil
em um dia para ver o impacto social e na segurança no dia
seguinte.”
Outro integrante da bancada evangélica, o
deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) argumentou que toda ajuda a
templos e a instituições filantrópicas, dada pelo governo, “será
sempre muito bem-vinda”.
O subsídio na conta de luz não é
a primeira medida planejada por Bolsonaro para manter o apoio
evangélico. Com o aval do presidente, o Congresso aprovou um projeto
garantindo incentivos fiscais para igrejas até 2032. Por meio de
decreto, ele também passou por cima da agenda que favorecia pessoas
com deficiência, uma das prioridades da primeira-dama, Michelle
Bolsonaro, liberando igrejas de realizar adaptações para
acessibilidade em áreas destinadas ao altar e ao
batistério.
Discussões
As
discussões sobre a criação de mais benesses para igrejas começaram
no fim do ano passado. A ideia do governo é diminuir a conta de luz
dos consumidores conectados à alta tensão – ou seja, os de maior
demanda, como catedrais e basílicas. Consumidores residenciais e
pequenos estabelecimentos são conectados à baixa tensão e, por
isso, pagam uma tarifa de mesmo valor, independentemente do horário.
Já edificações maiores, como supermercados e shopping centers, se
ligam às redes na alta tensão e pagam tarifas mais caras no chamado
horário de ponta, momento de maior consumo do dia.
Cada
distribuidora tem seu próprio horário de ponta, que dura três
horas consecutivas e se concentra entre o fim da tarde e o início da
noite durante dias de semana. Na Enel São Paulo, por exemplo, é das
17h30 às 20h30. Nesses horários, o consumo de energia pode ficar
50% mais alto, e as taxas de uso, subir até 300% – o objetivo é
deslocar a demanda para horários menos congestionados. É justamente
nesse período que os templos realizam cultos.
Maior estrutura
da Igreja Universal do Reino de Deus, o Templo de Salomão, em São
Paulo, celebra cultos diariamente de manhã, tarde e noite. As
celebrações das segundas-feiras, às 18h30, e de terças a sextas,
às 20h, se encaixam no horário mais caro.
Pela minuta de
decreto em estudo no governo, os templos passariam a pagar tarifas
mais baratas no horário de ponta, iguais às cobradas durante o dia.
O valor que deixariam de pagar, porém, não “desaparece”:
ele necessariamente passa a ser arcado por alguém. Desde 2015, o
Tesouro não paga qualquer subsídio no setor elétrico. Para bancar
a despesa, seria preciso cortar outra de mesmo valor. Por isso, a
alternativa em estudo para esses benefícios é que sejam custeados
por outros consumidores – tanto residenciais quanto livres, via
encargo chamado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Nota
técnica
O
Ministério de Minas e Energia, comandado por Bento Albuquerque,
preparou uma nota técnica sobre o tema. Embora tenha citado uma lei
que determinou a redução dos subsídios embutidos na conta de luz,
o ministério pediu à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
para calcular quanto o benefício às igrejas custaria. A Aneel
respondeu, segundo apurou a reportagem, que não tinha como fazer
esse levantamento, mas avaliou que o valor seria baixo.
O pedido
chegou, então, ao Ministério da Economia, que se mostrou contra a
medida. A equipe econômica é uma das que mais resiste à criação
de novos subsídios que provoquem impacto tarifário, já que a
energia é um dos insumos fundamentais para a atração de
investimentos e, consequentemente, a retomada do crescimento.
A
soma dos benefícios embutidos na conta de luz e repassados para
todos os consumidores atingiu R$ 22 bilhões neste ano e tem sido
alvo de preocupação do governo. A pasta de Guedes lembrou que
subsídios estão na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e que
o órgão determinou ao governo que parasse de criar benefícios sem
dotação orçamentária. A corte de contas considerou ainda que os
subsídios criados por decreto e sem relação com o setor elétrico
são inconstitucionais.
A proposta vai contra projetos de lei no
Congresso, apoiados pelo governo, que têm como meta criar um novo
marco para o setor elétrico, reduzindo subsídios cruzados. A ideia
de subsídio para a conta de luz de igrejas chegou a ser proposta em
2010 pelo ex-deputado Eduardo Valverde (PT-RO), mas foi arquivada em
2015
Se o benefício for criado por decreto, o TCU pode até
multar integrantes do governo. A Subchefia de Assuntos Jurídicos da
Secretaria-Geral da Presidência informou não ter “proposta
formalizada” sobre o tema. O Ministério da Economia e a Aneel
não responderam até a publicação desta matéria.