Com saída de ministro, governadores cobram apoio à ciência
A demissão do ministro da
Saúde Nelson Teich gerou críticas de governadores e de políticos aliados do
presidente Jair Bolsonaro. Chefes do Executivos estaduais afirmaram esperar que
o terceiro titular da pasta durante a pandemia do novo coronavírus siga
recomendações dos cientistas e autoridades sanitárias. Líderes do Centrão, que
se tornaram aliados do Planalto em troca de cargos, também reclamaram da troca.
Alguns deles já colocam em dúvida a manutenção do apoio a Bolsonaro. O
antecessor de Teich, Luiz Henrique Mandetta, declarou que Brasil viveu “um
mês perdido” no combate à covid-19.
O governador de São Paulo João Doria (PSDB) fez
crítica ao presidente durante coletiva de imprensa. “Lamento que essa
troca tenha sido feita e espero que o sucessor do ministro continue seguindo a
orientação da medicina e da saúde, e que não incorra no grave erro de seguir
orientações ideológicas partidárias, pessoais ou familiares”, disse Doria.
“Lamento a perda do ministro Teich, como lamentei aqui a perda também do
ministro Mandetta, que também pagou com seu cargo por defender o seu compromisso
com a ciência com a saúde e com a vida dos brasileiros”, declarou o tucano.
O governador do Rio Wilson Wiltzel (PSC) se
manifestou em sua conta no Twitter. “Presidente Bolsonaro, ninguém vai
conseguir fazer um trabalho sério com sua interferência nos ministérios e na
Polícia Federal. É por isso que governadores e prefeitos precisam conduzir a
crise da pandemia e não o senhor, presidente”, escreveu o governador.
Witzel havia se reunido com Teich na semana passada, no Rio, quando o ministro
foi ao Estado para visitar unidades de Saúde dos âmbitos municipal, estadual e
federal.
O governador do Espírito Santo, Renato
Casagrande (PSB) cobrou autonomia do Ministério da Saúde no enfrentamento à
pandemia. “Ou o PR (presidente da República) deixa o ministério agir,
segundo as orientações da OMS, ou vamos perder cada vez mais brasileiros”,
escreveu. Já o governador da Bahia, Rui Costa (PT) declarou ser
“inaceitável” o País ter dois ministros da Saúde demitidos em plena
pandemia.
Um dos líderes do Centrão, o deputado Paulo
Pereira da Silva (SP) criticou o que chamou de “impulsos” de
Bolsonaro na condução da crise. Representantes do grupo já afirmam, nos
bastidores, que será muito difícil apoiar Bolsonaro em meio à queda de
popularidade.
Aliados
“Saiu quem não tinha entrado. Nesta sexta,
o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu exoneração do cargo, mas, não sei se
alguém percebeu, já não fazia diferença”, disse Paulinho da Força, como é
conhecido o deputado. Após afirmar que Teich era constantemente desautorizado
por Bolsonaro, Paulinho partiu para o ataque ao chefe do Executivo.
“Duvido que alguém consiga fazer o presidente aprender com a ciência e
perceber que reduzir o isolamento social é colocar mais brasileiros na fila de
espera por uma vaga na UTI. Vai ser difícil encontrar um ministro que seja
capaz de lidar, ao mesmo tempo, com a crise sanitária e com os impulsos de Jair
Bolsonaro.”
A avaliação é compartilhada por outros partidos
que integram o Centrão. “Diante das imposições do presidente, só topará ser
ministro da Saúde quem não tiver compromisso com a ciência e nem com a
medicina. O pedido de demissão do ministro demonstrou que ele tem”,
afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). O bloco parlamentar vem negociando
cargos em troca de apoio ao governo.
Uma hora depois da demissão de Teich,
levantamento da empresa AP Exata mostrou que a rejeição a Bolsonaro nas redes
sociais chegou a 65% – um aumento de 11 pontos em relação ao período anterior a
esse cenário. O presidente vem perdendo apoio nas mídias digitais desde o
início do ano, mas enfrentou os piores momentos recentemente, com as saídas de
Sérgio Moro, ex-titular da Justiça, e de Luiz Henrique Mandetta, que comandava
o Ministério da Saúde antes de Teich.
Antecessor
Mandetta classificou a nova baixa na pasta como
uma perda de tempo prejudicial ao País durante a pandemia de covid-19. “A
única coisa que sei é que foi um mês perdido, jogado na lata do lixo”,
disse ao Estadão. A exemplo de Mandetta, Teich deixou o governo após
confrontos com o presidente Jair Bolsonaro sobre a melhor estratégia de combate
à pandemia do novo coronavírus.
Para o ex-ministro, que ocupou o cargo de
janeiro do ano passado até abril deste ano, ainda não é possível fazer um
prognóstico sobre como ficará o combate à doença, que matou quase 14 mil
pessoas no País até agora. Quando Mandetta foi demitido, o número de óbitos era
de 1.736.
“Não dá para falar nada. Não sei quem vai
ser o novo ministro. O momento é de oração. Gostaria de dizer para você que
estou rezando um terço agora”, afirmou o ex-ministro.
Mais cedo, logo após a notícia da demissão de
Teich, Mandetta foi ao Twitter desejar “força” ao Sistema Único de
Saúde (SUS). Teich, que é médico oncologista, participou como consultor da área
de saúde da campanha de Bolsonaro e foi indicado ao cargo por associações
médicas e pelo secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten.