Delatora aponta ‘mesada’ de R$ 120 mi a governador
A
ex-secretária estadual de Administração da Paraíba Livânia Faria
delatou uma suposta mesada de R$ 120 mil ao governador João Azevedo
(sem partido) para bancar gastos pessoais e de sua campanha, em 2018.
Em seu acordo de colaboração premiada, ela relata que o político
sabia que o dinheiro era de contratos da Saúde e o usou para bancar
despesas de seus parentes. Narra ainda o suposto envolvimento do
governador com corrupção de fiscais em obras de esgoto e repasses
de R$ 900 mil para pagar fornecedores de campanha. Em nota, Azevedo
afirma que as despesas da pré-campanha e da campanha “se deram
de forma lícita”.
João Azevedo foi alvo de buscas e
apreensões autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
dia 17 de dezembro do ano passado, quando foi deflagrada a Operação
Calvário. Na mesma ação, o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB)
teve sua prisão decretada, sob a suspeita de envolvimento em
propinas de R$ 134,2 milhões da Saúde. No dia da ação, Coutinho
estava no exterior e chegou a figurar na lista de procurados da
Interpol. Ele se entregou no dia 20 – e foi solto no dia seguinte por
ordem do ministro Napoleão Nunes Maia, do STJ.
A delação de
Livânia é uma das peças-chave da Operação Calvário. Seus
relatos embasaram a ação que mirou o atual governador e seu
antecessor, e também abrem frentes de investigação contra
deputados estaduais, federais e conselheiros do Tribunal de Contas.
Além de ter sido secretária de Administração de Azevedo, Livânia
foi procuradora-geral do Estado na gestão Coutinho.
Presa em
março de 2019, a então secretária firmou acordo de colaboração
com o Ministério Público Estadual da Paraíba. Somente a Coutinho,
ela narrou entregas de R$ 4 milhões em espécie na Granja Santana,
residência oficial do governador.
Em um depoimento com uma hora
e 26 minutos de duração, Livânia narra o envolvimento de João
Azevedo com supostas propinas da ONG Cruz Vermelha. Os repasses
teriam se iniciado no primeiro semestre de 2018, quando Azevedo se
afastou da Secretaria de Infraestrutura, Recursos Hídricos, Meio
Ambiente e Ciência e Tecnologia para iniciar a campanha ao governo
do Estado.
“Após o afastamento dele para ser candidato, eu
fui chamada pelo governador da época, Ricardo Coutinho, para que eu
providenciasse um valor para ser repassado para o candidato, para o
João Azevedo, para que ele pagasse as despesas de campanha, porque
ele ia andar o Estado todo. E como não era secretário e não tinha
salário, teria que se fazer com que ele se sustentasse”,
relata.
A ex-secretária ainda menciona o acerto de valores com
Coutinho. “Aí eu fui e disse a ele: quanto é esse valor? Ele
disse: entre 100, 150. Eu disse: 120 tá bom? Ele disse: É, tá bom.
120. Eu disse: ó, esse dinheiro só tem para sair da Cruz Vermelha,
porque é o que a gente recebe mensal”, relatou a
delatora.
Segundo Livânia, os repasses seriam feitos a Deusdete
Queiroga, atual secretário de Infraestrutura do Estado, por meio de
Leandro Azevedo, assessor da então secretária – hoje, também
delator – e teriam ocorrido entre abril e o final de julho.
Em
seguida, segundo a delatora, João Azevedo teria demonstrado a
preocupação de não ser acusado de nepotismo durante a campanha.
Livânia afirma que ele pediu para exonerar a nora, que trabalhava na
vigilância sanitária, e sua cunhada, que estava na Superintendência
de Administração do Meio Ambiente da Paraíba. A nora ganhava R$
3,8 mil e a cunhada, R$ 6 mil.
“O que a gente fazia:
separava o dinheiro, colocava no envelope e entregava a ele. Eu
pessoalmente entreguei o dinheiro a ele. ‘Tá aqui, esse é o
salário, aí você repassa’. Ele colocou dentro da pasta dele”,
relatou.
Fornecedores
A
ex-secretária também menciona fornecedores da campanha de Azevedo
também foram pagos com dinheiro da Cruz Vermelha, no valor de R$ 900
mil. Na delação de Livânia também é mencionada uma suposta
propina a fiscais que se recusavam a assinar a autorização de uma
obra em uma adutora, na região de Patos, na Paraíba. A tratativa
teria sido resolvida, segundo ela, com repasse de R$ 300 mil, também
do caixa da Cruz Vermelha.
De acordo com Livânia, no período
de transição para seu governo, João Azevedo teria demonstrado
preocupação e a vontade de romper com as organizações de saúde
que geriam hospitais na Paraíba. Ela, então, o teria alertado que
os recursos repassados durante a campanha eram da Cruz Vermelha. “Eu
disse: João, eu vou informar uma coisa. Aqueles R$ 120 mil que você
recebia mensalmente, que Deusdete recebia, foi a Cruz Vermelha que
deu”, relatou a ex-secretária aos investigadores. Ela também
diz ter mencionado os outros repasses para a campanha e os fiscais ao
governador eleito.
Azevedo
afirma que despesas são lícitas e cita ‘retaliação’
Procurado
pela reportagem, o governador da Paraíba, João Azevedo (sem
partido), afirmou por meio de sua assessoria que as despesas da
pré-campanha e da campanha ao governo em 2018 “se deram de
forma lícita e transparente”. “Se terceiros se valeram
desse pretexto para a prática de ilícitos, eles é que terão de
responder.”
A assessoria de João Azevedo afirmou ainda
que, “em face das medidas de combate à corrupção e do
afastamento de secretários envolvidos na Operação Calvário, já
se esperava que o governador poderia ser vítima de retaliação dos
que foram afastados”. Azevedo foi eleito governador em 2018 pelo
PSB e pediu desfiliação do partido há um mês.