Em visita ao Brasil, missão da OCDE aponta prejuízos no combate a corrupção
Em
missão no Brasil para avaliar possíveis riscos no combate a
corrupção, um grupo de trabalho da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstrou preocupação com
decisões como a tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Dias Toffoli, que vetou o compartilhamento de dados fiscais e
bancários entre órgãos de investigação sem prévia autorização
judicial.
Na próxima semana, o plenário do Supremo decidirá
se mantém ou não a decisão liminar de Toffoli, tomada em julho em
um processo a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do
presidente Jair Bolsonaro. Se a decisão for mantida, segundo o
presidente do grupo antissuborno da OCDE, o esloveno Drago Kos,
“serão necessárias medidas mais fortes”. “Ainda
vamos pensar no que fazer, mas a nossa reação vai ser forte”,
disse Kos, em entrevista coletiva nesta última
quarta-feira, 13. Ele chegou a ter uma conversa com Dias Toffoli
sobre o tema.
A lei de abuso de autoridade, aprovada pelo
Congresso, e a proibição da prisão em segunda instância – decisão
tomada pelo Supremo na semana passada – também foram citadas pelo
grupo da OCDE como medidas que podem atrapalhar os esforços contra
corrupção e o combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.
Da
mesma forma, o grupo acompanha com preocupação a atuação do
Tribunal de Contas da União (TCU) sobre acordos de leniência, a
decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que suspendeu
procedimentos da Receita contra autoridades federais e parentes, bem
como a decisão do Supremo que anulou sentença em um processo da
Lava Jato para que o réu alvo de delação premiada pudesse se
manifestar depois do réu colaborador.
Ingresso
O
Brasil quer ingressar na OCDE como membro permanente e já fez uma
requisição formal, ainda não atendida. A entrada no “clube
dos países ricos”, como é conhecido, é uma das principais
aspirações do governo Bolsonaro na área internacional. A vantagem
seria facilitar o ambiente de negócios.
O presidente do grupo
de trabalho antissuborno disse que a situação do Brasil no mercado
financeiro internacional ficará prejudicada se o Supremo mantiver a
decisão sobre o compartilhamento de dados da Unidade de Inteligência
Financeira (UIF) – antigo Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf).
O relatório da missão enviada ao Brasil
deve ser concluído em dezembro, segundo Drago Kos, mas existe a
possibilidade de que ele seja finalizado apenas no próximo ano, em
março. Segundo o dirigente, outro grupo de trabalho da OCDE em breve
deve desembarcar no Brasil para analisar questões financeiras. Esse
grupo, sim, segundo Drago Kos, teria poder para tomar medidas mais
fortes, como colocar o País em uma espécie de “lista negra”
O
esloveno esclareceu, contudo, que o ingresso do País na OCDE não
necessariamente depende da revisão da decisão do Supremo Tribunal
Federal.
Presente na entrevista, o ministro da
Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, preferiu não
comentar o julgamento do STF. “Eu não tive acesso aos processos
e não sei quais são as características do processo que constam”,
disse. Ao ser questionado sobre se endossa a visão da OCDE, Rosário
disse que o governo não interfere na decisão. Mas, falando de
maneira geral, disse que “a decisão clara do governo é que
qualquer limitação das informações da UIF vão contra o combate a
corrupção”, salientou.
O fim da prisão em segunda
instância, segundo o presidente da missão antissuborno, é
preocupante porque faz os brasileiros “começarem a pensar que a
impunidade voltou”.
“Isso pode fazer a diferença no
País”, disse. “O que a gente não entende é como, até
2016, tínhamos uma regra, e agora o Supremo mudou o regime. Isso é
um problema. Existem muitas instâncias em que a pessoa pode mandar
recurso, são formas de estender processos por muitos anos. A pessoa
pode não ser punida. No mundo, é comum mandar as pessoas à prisão
depois de a primeira apelação (recurso a tribunal colegiado) ser
negada.”
“O problema que eu vejo agora e o primeiro
que eu mencionei é que, depois da Operação Lava Jato, a pessoa
começou a entender que a lei será aplicada igualmente para todos os
cidadãos. E agora eles vão começar a pensar que isso não é o
caso. Aí as pessoas terão grande problema de novo”, disse.
O
representante da OCDE demonstrou preocupação também com o possível
desvirtuamento do pacote anticrime no Congresso. As propostas
legislativas foram apresentadas pelo governo sob iniciativa do
ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O risco,
segundo Drago Kos, é que parlamentares façam alterações nos
projetos para incluir medidas que, em vez de favorecer, dificultem o
combate ao crime.