‘Não há contaminação dos julgadores’, diz João Pedro Gebran Neto
“O TRF-4 não afrontou o
STF.” A afirmação do desembargador federal João Pedro Gebran Neto, o
relator em segunda instância da Operação Lava Jato, no Tribunal Regional
Federal da 4.ª Região, busca um fim para o que ele enxerga como falsa polêmica:
a de que houve um enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF) na decisão
que ampliou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de 12 para 17 anos de prisão no
processo do sítio de Atibaia.
A defesa de Lula tinha pedido nulidade da
condenação porque a 13 ª Vara de Curitiba (primeira instância) não havia
aplicado prazo distinto para delatores e delatados entregarem suas alegações
finais no processo, conforme decisão recente do STF, em outra ação penal da
Operação Lava Jato. “O que se fez é aplicar o entendido do Supremo, em
conformidade com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo”,
afirma.
Ao Estado, em entrevista realizada por e-mail
dois dias após a análise do caso de Lula, Gebran Neto rebateu acusações de que
os julgamentos têm conotação política. “Tampouco há contaminação
ideológica dos julgadores”, afirma. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
O TRF-4 “afrontou”, como afirmou a
defesa do ex-presidente Lula, o STF ao negar a tese de regra geral retroativa
defendida por réus, com base em entendimento da Corte, sobre prazo diferenciado
para delatores e delatados nos processos penais?
Com certeza o TRF-4 não afrontou o STF e nunca
teve qualquer interesse em polemizar sobre o tema. O que se fez, e me parece
claro nas manifestações e votos, é aplicar o entendido do STF, em conformidade
com os precedentes da existência e demonstração de prejuízo. Aliás, o STF
estava modulando os efeitos de sua decisão, mas não concluiu o julgamento.
Assim, aplicou-se o entendimento em consonância com os precedentes históricos,
seja no tocante à eficácia para o futuro das novas normas processuais, seja no
tocante à ausência de prejuízo. De momento, não há decisão em repercussão geral
ou mesmo efeito suspensivo concedido nos processos em trâmite na Suprema Corte,
cabendo aos tribunais inferiores examinarem o caso concreto.
O julgamento da apelação sobre o caso do
sítio de Atibaia foi político, como criticaram as defesas dos réus?
Nenhum julgamento relacionado à Operação Lava
Jato tem conotação política. Tampouco há contaminação ideológica dos
julgadores. Como se procurou destacar nos votos, somente os fatos imputados aos
réus são objeto do julgamento, segundo as provas existentes nos autos.
Magistrados não julgam pessoas e suas histórias de vida, mas condutas
específicas, tudo conforme o acervo probatório. Aliás, em meu voto cito
precedente da ministra Cármen Lúcia fazendo exatamente essa referência. A
fixação de tese de um papel do Judiciário de antagonismo aos réus é bastante
antiga, mas neste caso é seguramente falaciosa.
Como vê as sucessivas tentativas das defesas
de réus da Lava Jato de atribuírem suspeição aos juízes do caso? Tanto o
senhor, como o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, o ex-juiz Sérgio
Moro e a juíza Gabriela Hardt foram alvo de questionamentos…
Do ponto de vista jurídico processual, acho
absolutamente natural que os réus se utilizem dos meios de defesas que
entenderem pertinentes. Assim, não há qualquer estranhamento quando alguém
recorre ou interpõe medidas como exceções de competência ou mesmo de suspeição.
De outro lado, vejo que há uma tentativa intensa de imputar aos magistrados uma
atuação política ou ideologizada, como se estivessem a serviço de alguém ou
atuando com objetivos outros, que não simplesmente realizar seu ofício da
melhor forma possível. E isso é um equívoco e um desserviço para a sociedade.
Como viu a mudança de entendimento do Supremo
em relação à execução provisória da pena em segundo grau e quais suas
convicções sobre o tema?
Minha compreensão sobre o tema é antiga,
antecedendo inclusive aos julgamentos do STF, como é possível ver nos votos que
proferi ao longo dos anos, reconhecendo a possibilidade da execução da pena
após o julgamento em segunda instância. Essa antecipação do paradigma no TRF-4
ocorreu porque, naquele tempo, era visível a mudança que o STF faria em sua
jurisprudência. Todavia, recentemente, a Suprema Corte voltou a firmar
jurisprudência em desfavor da execução após julgamento em segundo grau.
Compreende-se e respeita-se. Há argumentos bons e fortes em favor da tese
recentemente chancelada pelo Supremo. Mas, segundo compreendo, os fundamentos
jurídicos e sociais em sentido contrário são igualmente bons e fortes. Esse
debate, hoje no Brasil, talvez esteja contaminado pelo momento político, embora
devesse ter uma visão de Estado.
A advertência dada ao procurador Deltan
Dallagnol, a aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade, o esvaziamento do
projeto anticorrupção do ministro Sérgio Moro no Congresso foram derrotas
recentes. É a pior fase desses seis anos de Lava Jato?
Cada episódio tem seu foro adequado de
discussão, mas não faço essa avaliação de pior ou melhor momento da Lava Jato.
Como magistrado, defendo minhas convicções com aquilo que vejo no processo.
Porém, após quase seis anos, vejo com naturalidade a existência de avanços e
retrocessos no combate à impunidade e à corrupção. Certamente teremos diversos
outros avanços e alguns retrocessos. Outras vezes correções de rumos serão
necessárias.