Perfil anti-fake News ganha adesão e incomoda Planalto
Em apenas cinco dias de
atividade – de segunda à sexta-feira passada -, o perfil do Twitter Sleeping
Giants Brasil, de ação anti-fake news, ganhou mais de 215 mil seguidores e
obteve a cooperação de pelo menos 35 empresas de renome. O sucesso foi
registrado em post da versão original da iniciativa, vinda dos Estados Unidos,
quando foram atingidos 68 mil seguidores: “Nos quase levou um ano para
chegar a esse resultado”. O site incomodou o vereador Carlos Bolsonaro
(Republicanos-RJ) e o secretário de Comunicação do governo federal, Fábio
Wajngarten.
O modo de atuação é simples: eles verificam que
anúncios estão sendo alocados – por meio de uma ferramenta publicitária do
Google – em sites de fake news. É então feito um alerta às empresas anunciadas,
que muitas vezes só especificam qual perfil demográfico de leitor querem
atingir e não sabem que sua propaganda foi parar em um portal de notícias
falsas. A companhia, então, informada do que está acontecendo, cadastra o
endereço indesejado em uma lista negra, para que sua propaganda não seja
exposta lá.
A prática é chamada de
“desmonetização”, já que o site colocado nessa lista fica sem a verba
do anunciante. Se muitas empresas desmonetizam o mesmo portal, ele passa a ser
financeiramente insustentável.
A estratégia foi primeiro adotada pelo
publicitário americano Matt Rivitz – do Sleeping Giants original – há mais de
três anos, e foi responsável pela perdição financeira do Breitbart News, de
Steve Bannon. Projetado para receber € 8 milhões (quase R$ 50 milhões), em
2016, ele perdeu 90% dos anunciantes, segundo o que o próprio ex-estrategista
de Donald Trump relata no documentário The Brink, de 2018.
Com a identidade revelada por veículos
conservadores, Rivitz recebeu ameaças de morte.
A versão brasileira do perfil nasceu tanto no
Twitter como no Facebook – em duas equipes anônimas independentes – logo depois
da publicação de uma reportagem do El País que conta a história de Rivitz.
“Não houve qualquer coordenação”, escreveu ao jornal O Estado de São
Paulo o responsável pela conta no Facebook.
Ele afirmou que o perfil no Twitter estava
disponível e foi tomado enquanto ele criava a versão no Facebook. Ou seja, a
ação de ambos foi simultânea. “Já estava lá essa outra iniciativa, que é
ótima, por sinal. Já entrou com muita informação. Então, devidamente creditada,
ela foi replicada no Facebook.”
Já o perfil no Twitter é gerido por duas pessoas
e recebe ajuda por mensagens e em uma rede de confiança no WhatsApp. O
principal administrador disse ser oriundo de universidade pública, onde passou
a se interessar pelo tema de fake news. Questionado sobre como os alvos são
selecionados, respondeu: “Utilizamos o incrível material que as agências
de fact cheking desenvolvem. Buscamos sempre ter como foco o principal veículo
que atente contra a democracia”.
Retirada. O primeiro alvo de desmonetização foi
o Jornal da Cidade Online, um dos veículos mais populares nas eleições de 2018
e citado como disseminador de informações falsas pelo Projeto Comprova –
coalizão de 24 veículos de imprensa, incluindo o Estado de São Paulo, criada
para desmentir boatos.
“Excluímos o site em questão que está sendo
acusado publicamente de propagar inverdades”, informou o Mercado Livre ao
Estadão. A empresa foi uma das alertadas pelo Sleeping Giants Brasil. “O
Mercado Livre esclarece que mantém filtros para bloqueio automático de sites
que propagam conteúdo impróprio. No que se refere à veiculação de notícias
falsas, às quais repudiamos veementemente, os bloqueios podem também ocorrer de
maneira reativa a partir de denúncias, analisadas caso a caso”, afirma a
nota da empresa.
O Sleeping Giants Brasil também retuitou a
resposta oficial – confirmando a desmonetização do Jornal da Cidade Online –
das empresas McDonald’s, Decathlon, Serasa, Philips, Fast Shop, Claro, Insper,
FGV, Dell, Submarino, entre outras. O Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul
fez o mesmo.
O Jornal da Cidade Online classificou a ação do
Sleeping Giants Brasil de “calúnia” e disse que “imprecisões”
em notícias foram, posteriormente, corrigidas. “O crime de calúnia tem que
ser a atribuição falsa de algo que seja crime a uma pessoa física especificada,
com a intenção de ofender a reputação dessa pessoa”, disse ao Estadão o
criminalista Rogério Taffarello. “Narrar um fato com a mera intenção de
informar não constitui crime, e isso é algo totalmente pacífico nos
tribunais.”
Críticas
Os grandes defensores do portal de fake news
foram Carlos Bolsonaro e Wajngarten. Ambos têm vínculos com o “gabinete do
ódio”, núcleo de assessores responsáveis pelas redes sociais da
Presidência que defendem a pauta de costumes e incentivam a adoção de um estilo
beligerante.
Carlos e Wajngarten reclamaram quando o Banco do
Brasil retirou seus anúncios do Jornal da Cidade Online, a ponto de conseguir
reverter a decisão. O filho de Bolsonaro escreveu em suas redes sociais que a
instituição “pisoteia em mídia alternativa que traz verdades
omitidas”. Em seguida, a área de marketing do BB, comandada por Antonio
Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão, alegou que o
bloqueio foi exagerado e retomou os anúncios.
“As mídias alternativas são veículos
independentes que contribuem para a informação”, afirmou ao Estadão o
responsável pelo Sleeping Giants Brasil no Twitter. “Os sites como o que
ele defende são nada mais nada menos que divulgadores de notícias falsas e
discurso de ódio direcionado a instituições importantes para uma
democracia.”
A International Fact Checking Network (IFCN),
associação mundial de verificadores de fatos, afirmou que “esses grupos de
interesse têm um forte papel na conscientização da sociedade em relação a esses
grupos que desinformam o público e constroem um discurso controverso”.
“A desinformação está cada vez mais entrelaçada com discurso de ódio,
xenofobia e discriminação contra comunidades desfavorecidas”, disse o
diretor da IFCN, Baybars Örsek.