Planalto recorre a Doria para viabilizar ‘BR do Mar’
O governo Jair Bolsonaro
apelou ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para tirar do papel um de
seus mais ambiciosos programas de logística, o BR do Mar, que pretende dobrar a
taxa de crescimento do transporte marítimo de mercadorias entre cidades
brasileiras, a chamada cabotagem. Doria, porém, que tem uma série de pautas da
infraestrutura que também esperam aval do governo federal, ainda não decidiu se
vai acatar ou não o pedido.
O apoio viria da concordância de São Paulo em
reduzir a zero a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) do combustível para navios de cabotagem – o bunker -, que hoje é de 12%.
Essa redução é tida como vital pelos técnicos do Ministério da Infraestrutura
para o programa deslanchar, uma vez que a estimativa é que cerca de 60% dos
custos do frete marítimo dentro do País sejam de combustível. Doria adotou,
neste ano, medida similar com as alíquotas para querosene de avião, em um programa
próprio para estimular a aviação civil no interior do Estado.
Conversas semelhantes já ocorreram entre o
ministério e os governos de Pará, Bahia e Rio. Mas a concordância de São Paulo,
Estado com o maior parque industrial do País, é tida como determinante para o
sucesso do BR do Mar, que vem sendo discutido desde julho. Havia expectativa de
que o governo editasse uma Medida Provisória sobre o tema no começo deste mês.
Porém, sem o acordo com Doria e após entendimentos com a Câmara, o programa
será enviado ao Congresso em um projeto de lei comum, que deve tramitar em
regime de urgência.
O pedido sobre a isenção do ICMS pegou de
surpresa os paulistas em uma reunião que Doria teve com o ministro da
Infraestrutura, Tarcísio Freitas, em outubro. Também estavam presentes os
secretários estaduais da Fazenda, Henrique Meirelles; de Logística e
Transportes, João Octaviano; e o secretário nacional de Portos, Diogo Piloni.
Representantes do governo federal tocaram no
assunto no fim da conversa, que tinha como tema principal pautas paulistas: a
transferência do terreno do Campo de Marte para a Prefeitura de São Paulo e a
autorização de uma ponte para ligar Santos ao Guarujá, no litoral – a obra
abrangeria uma área do Porto de Santos, que é federal.
Doria recebeu o pedido, mas as discussões
ficaram paradas na esfera política, sem descer ao nível técnico. Essa também é
a situação da demanda envolvendo o Campo de Marte: a solicitação do tucano
segue à espera de uma decisão do gabinete do presidente. Bolsonaro e Doria se
afastaram após o governador passar a negar um alinhamento com o governo
federal. Nas eleições de 2018, o paulista foi eleito em campanha associada ao
então candidato do PSL e chegou a pedir votos usando o slogan
“Bolsodoria”.
Programa – Piloni afirma que o transporte pela costa de contêineres já cresce ao
redor de 13% ao ano. “Há espaço para crescer de duas a três vezes mais do
que isso”, disse. Desde a greve dos caminhoneiros, no ano passado, a
procura pela cabotagem aumentou ainda mais, segundo o setor de cargas. Mais da
metade do volume transportado atualmente, porém, não é feito por navios de
contêineres, e sim por navios-tanque com combustíveis ou derivados, sob o
comando da Petrobrás. Ao todo, a cabotagem cresce cerca de 4,1% ao ano.
O BR do Mar tem mais de uma frente de ação. O
Ministério da Infraestrutura precisa aumentar a frota de embarcações usadas
nessa área e conseguiu que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovasse, no
mês passado, a redução de 14% para zero da alíquota de importação de navios
para este fim. Outro ponto é desburocratizar a fiscalização dos navios – que
hoje é praticamente a mesma aplicada às embarcações de longo curso (que vêm de
fora do País) e flexibilizar o afretamento de estrangeiras (a contratação de
navios de fora para transportes específicos).
Há ainda ações para melhoria da infraestrutura
portuária do País, que estão inseridas no programa de privatizações de
Bolsonaro. O conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) editou, em
agosto, uma resolução específica para determinar diretrizes de estímulo à
cabotagem.
Por fim, há a redução de custos. E é aí que
surge a discussão sobre o ICMS. “Disparadamente, o combustível é o maior
custo da operação”, afirmou Piloni. “Esse é um projeto que só
funciona se houver a parceria entre os entes, o governo federal e os governos
estaduais. Nosso papel é mostrar a importância disso considerando uma lógica
nacional”, disse.
O diretor executivo da Confederação Nacional do
Transporte (CNT), Bruno Batista, confirma que a redução dos custos de
combustível é essencial para que o programa atinja os objetivos. Ele diz que,
independentemente do modal – caminhão, navio ou avião -, o combustível sempre é
o insumo mais caro do frete.
A CNT esperava que a medida provisória (agora projeto
de lei) do BR do Mar tivesse sido apresentada já no começo deste mês.
“Talvez, esse óbice do Estado de São Paulo seja um entrave para a
publicação do projeto”, argumentou Batista. As demais medidas, segundo
ele, também são estímulos, mas não tão determinantes. “Na verdade, está se
promovendo uma abertura de mercado.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, o
presidente do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda (Comsefaz) e secretário
estadual da Fazenda do Piauí, Rafael Fontenele, disse que o tema ainda não foi
discutido no órgão.
Formal – O governo Doria nega que haja relutância em atender ao pedido do governo
Bolsonaro. Por nota, a Secretaria Estadual da Fazenda disse que “o governo
do Estado e o governo federal concordam em incentivar o setor”, mas que
“é preciso que o setor (de Transportes) protocole um pedido formal na
Secretaria da Fazenda, o que ainda não foi feito”.